quarta-feira, agosto 23, 2006

A festa do Hezbollah

Deveremos ter atenção a este aspecto muito simples: hoje não podemos compreender quase nada se não a inscrevermos numa lamela mediática. Quase nada do que pensamos - e vou poupar-vos à boutade de que isso é porque pensamos pouco - sobrevive se não for assim. A festa do Hezbollah é um desses momentos de igualitarização do espaço mediático enquanto lugar onde as coisas perdem o seu valor e se se reconfiguram enquanto contributo para o espectáculo. E por muito que não se perceba, essa festa é um traço da presença do Ocidente no último conflito aberto no Médio Oriente. Somos nós mais uma vez e sempre a darmos cartas. Foi assim com Osama, será assim com o lider do Hezbollah, com as suas milicias, as suas estratégias fascistas de encobrir misseis em bairros onde moram civis. Não civis inocentes, já o disse, não é preciso ter ido ali onde os deuses se matam por interpostos povos para comprender que a inocência é mais um mito. O Islão precisa de mitos, a nossa indústria fashionable fabrica-os. E fabrica-os porquê? Talvez para que possamos dormir descansados enquanto procedem aos seus negócios. Para que se pareçam connosco, pensam eles. Só que eles já são tão parecidos connosco. E naquilo que são diferentes, enriquecem-nos com a sua diferença. Dois versos da mesma estratégia: desentender o Outro, desocupá-lo daquilo que nos perturba.
Não nos esqueçamos nunca: viver em guerra é terrivel. E fazer da morte, do sofrimento e da devastação uma festa, mesmo que seja política é prolongar a guerra por outros meios.
Já aqui deixei claro que não há como justificar o ataque israelita ao sul do Líbano. Andei pelos blogues de quem apreciava a vociferar contra isso, a não aceitar argumentos de redenção do açougue. Também não há como justificar o comportamento do Hezbollah. Os seus ataques não se destinavam a neutralizar nada, nenhuma posição israelita. A semear o medo sim, a zombarem do condomínio fechado com que Israel pretendia legitimar-se junto da população. Isso fizeram-no bem. Conseguiram-no. É odioso pensar que uma força politicamente minoritária no país - e que tanto contribuiu para o rasto de destruição e morte - se hoje fosse a votos poderia tornar-se vencedora. É desconcertante pensar que os bombardeamentos israelitas estão a render no mercado do ódio muitos milhares de euros para a reconstrução do Líbano através do Hezbollah. Escrevi uma vez, amanhã, o retomar da arquitectura das cidades desflorará a inocência das cidades destruídas. Estou farto daquilo que escrevo e da forma como as minhas palavras, de texto para texto, de catástrofe para catástrofe humanitária, quase que anunciam o fascimo.

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