quinta-feira, agosto 17, 2006
O medo, sobretudo
A maior parte dos meus amigos e conhecidos começou a ter medo depois do 11 de Setembro. Começaram a ter medo de andar de avião. Depois, a 11 de Março, de andar de metro. E sempre, de morrerem. Ou seja, não me expliquei bem. Eu sempre vivi rodeado de pessoas que tinham medo. Medo dos cães, medo do escuro, medo das pombas a restolharem perto dos seus ouvidos, medo, e até terror das alturas, das entranhas. O que eu quero referir é que a partir do 11 de Setembro, do 11 de Março (que dia é hoje, pá?) a maior parte dos meus amigos e conhecidos deixou de ter medo em reconhecer a sua insegurança e começou abertamente a falar do medo. Faziam-no e fazem-no com alguma bravata, até. É para eles, e neles, que a metáfora depois do 11 de Setembro o mundo nunca mais será o mesmo, tem alguma felicidade descritiva.
Comigo, como em tantas outras coisas, passou-se exactamente o contrário. Eu, que se ser medricas fosse uma habilidade seria facilmente catalogado de menino prodígio, com o 11 de Setembro deixei de ter medo, aquele medo horroroso de morrer. Quer dizer, continuei a ter medos sazonais e muitas vezes episódicos de subir ao Castelo do Gigante de Pé de Feijão, de entrar pelas entranhas da terra, mas aquele medo horroroso de que um míssel soviético, ou líbio, ou iraquiano, ou americano e israelita (também se morre de fogo amigo) me aterrasse na sopa de nabiças e cortasse assim, cerce, o desenvolver desta minha existência excepcional, desapareceu. Quer dizer, não desapareceu, mas deixou de falar por mim, deixou de ter aquela capacidade de por artes de ventriloquismo, se apoderar do que eu sou, do que sinto, do que penso.
Nesse sentido, o meu mundo também nunca mais será o mesmo depois do 11 de Setembro. E a razão é tão pueril: eu deixei de ter medo de morrer porque percebi, com uma radicalidade a que não estava habituado, que a partir daquele momento até ao resto da minha vida eu vou morrer em cada cagagésimo de segundo em que estiver vivo. A minha morte deixou de ser uma sombra tutelar, que torna os meus dias alegres e solarengos em dias escuros, sombrios. Passou a ser a minha medida de compreensão do mundo onde vivo, do Outro com quem vivo no mundo onde habito. .
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3 comentários:
o medo que me incomoda é o egoísta. Aquele que não aceita a vida e começa a desejar mortes para se proteger.
As pessoas que conheço que viveram ou estiveram bem perto desses atentados são as que menos histerismos demonstram.
Sentem necessidade de o negar e não alinham em espirais de violência.
Há um sentido de respeito e até de justiça pelos outros que parece que só se ganha quando se passa por grandes provas.
O exemplo londrino é notório. As pessoas reagiram contra aquela morte imbecil do brasileiro. E foram muitas delas quem escapou por alguns minutos do atentado.
É por isso que eu gozo tanto com os sissy hawks.
Nós por cá não temos islâmicos nem atentados mas já temos mais racismo islâmico e mais pânico que eles.
Se calhar todos temos a nossa hora. Desejar atrasá-la à custa da anteceipação da de terceiros é que é vergonhoso. Principalmente quando se admite que para isso vão ser necessárias vítimas inúteis.
Como se existissem vítimas mais inúteis que outras ou vivos mais úteis que outros. Em abstracto
Por acaso a minha relação com os atentados não se centra na minha pessoa ou na ameaça que possa existir sobre ela. Creio que não tenho medo da morte.
Não sei. Pelo menos sei que cheguei a desconhecer a própria noção de medo durante uma boa parte de adolescência e juventude.
Mas sei o que é ter essa ameaça num dos mais altos graus que ela pode assumir sobre os que me são mais próximos. Sobre o que é mais importante que nós próprios.
palavras tão sábias.
não me rendo ao medo também por opção, acho.
porque a vida e o seu permanente elogio equivale a essa abstracção de compreender o devir através da morte e das suas manifestações. mesmo da morte terrorista. sobretudo da morte terrorista.
não tememos as nossas ideias, pois não?
não tememos o amor?
então pq temer a morte?
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