sábado, setembro 23, 2006

A invisibilidade e o silêncio da rua árabe

"É verdade que muitos muçulmanos nada tem que ver com a Al-Qaeda ou com as proclamações incendiárias dos clérigos xiitas, mas é maior o seu isolamento e, de longe, mais débil a sua voz, quando conseguem com grande coragem efectivamente distanciar-se. Os terroristas da Al-Qaeda estão hoje mais perto da identidade muçulmana do que os grupos violentos antiabortistas estão da identidade cristã. Esta é a verdade que se esperava que os muçulmanos dissessem todos os dias ao mundo, para se poder afirmar que existem "moderados", classificação cheia de ambiguidades e mais condenatória da situação actual do islão do que qualquer outra. O islão deixou-se sitiar pelos seus extremistas, e tal pode não ser definitivo, pode ser uma perversão da religião, mas é bastante grave."
Vou ao post sobre o discurso do Papa do Abrupto pela mão da Carla, de um Elsinore sempre confiável mesmo quando de si mesma desconfia. Há aqui um problema fundamental e que pode bem tornar-se irresolúvel e que Pacheco Pereira não capta, o que é estranho, porque é de tal forma evidente e JPP não costuma deixar passar em claro estas coisas: Quem é que coloca os microfones e as câmaras na rua árabe? São de quem os microfones e as câmaras pelas quais conhecemos a rua árabe? Quem é que escolhe os pontos de tensão narrativa deste mundo? E que razão editorial é essa? E se é uma verdade, e se ela deve ser uma mundividência partilhada por todos, porque não devemos todos nós dizê-la todos os dias ao mundo, resgatando a rua árabe de uma mentira que a todos nos perturba? Principalmente porque há uns que estão mais próximos dos microfones e das câmaras, porque há uns que falam sem necesitarem do diferir da tradução. As respostas são tão simples que estarrecem: porque estamos tão entretidos com o nosso medo que não vemos senão o extremismo islâmico. E não percebemos algo de fundamental: como é natural, a moderação da rua árabe tende para a invisibilidade, para o silêncio. O que caracteriza a natureza moderada da rua árabe é ela conseguir-se entregar-se quotidianamente ao exercício delicioso da vida silenciosa, inexpressiva e invísivel. Claro que ela escreve, claro que ela edita, claro que ela faz filmes ( como fez "Paraíso Agora"). Mas o que ela escreve, o que ela edita e o que ela realiza, o que ela respira, dificilmente transpôe os postos de contrôle montados entre a rua árabe a a avenida europeia.
E esse podemos dizer que é um problema muçulmano. Dentro da efabulação que, como dizia o Rui Tavares, trata de apresentar um mundo que seja compreensível para uma criança de quatro anos de idade, esse pode ser um problema da rua muçulmana. Mas só aí.

3 comentários:

zazie disse...

Sabes o que é que eu penso?


É que não tenho dados para medir a porção de reacção religiosa da política em relação a eles. Porque se fosse em relação a JPPs e quejandos, dizia-te que é boleia política à custa do Papa e da mais descarada.

E é por isso que acho que anda tudo misturado. O Papa faz um discurso, num âmbito universitário-teológico. E fala em nome de uma religião da qual é o chefe supremo. Não fala sequer em termos de crítica política actual. Quando o faz separa as coisas. O que ele precisava, das partes opostas (no plural, porque eles não têm chefe único- e aqui é que se prende a diferença e não nas variações ditas moderadas) era discurso idêntico que defendesse os fundamentos do Maometismo para além do que foi dito. E, igualmente, sem precisar de recorrer a nada político.

Mas não é isto que acontece. O que acontece é a berraria mediatizada e os aproveitamentos boçais. O que me resta saber é se o simples facto de Maomé aparecer de forma menos valorativa não é suficiente para eles reagirem pior do que à custa de Bu Grahibs e Guantanamos. E ia jurar que é. Por motivos opostos aos que nós reagiríamos.

Mas nada disto tem a ver com as ilações que também se fazem do lado de cá. Porque tomam o Papa por um chefe de Estado e laicizam o discurso para dele inferirem branqueamentos a acções políticas ou até a grunhices dos cartoons que o Papa sempre condenou. E isto em nome de dois enormes disparates perfeitamente cínicos: a “liberdade de expressão”- como se dissessem ao Papa- “fala lá, pá. Também tens direito de dizer as tuas como nós temos de dizer as nossas. Cada um expressa-se como lhe dá na gana”. E a outra, a mais cínica: “estão a ver como eles nos andam a atacar e nos querem exterminar? Está aqui a prova. E está aqui a prova que as nossas guerras e invasões só querem travar esta evidência. E nem mesmo assim abrandam e se tornam mais moderados, como nós”, nem aprendem os bons valores e exemplos que lhes levamos”.

zazie disse...

Abu Grahibs

zazie disse...

Depois há a outra bacorada do JPP em que ninguém pega: que terroristas da Al-Qaeda é que têm a ver com as reacções deles e até do primeiro ministro turco?

Essa é que é a grande bacorada. Porque o JPP sabe tanto o que é a Al-Qaeda como nós. Ou seja, praticamente nada. E em nada apareceu associada a coisas tão softs como berreiros de rua (em situações sociais bem crispadas e com motivos para isso) nem em relação a questões políticas- bem mais subtis que também se traduzem nas reacções de chefes de Estado islâmicos- a adesão da Turquia à UE tem muito que se lhe diga e por mim dizia já "out".

O JPP fala na Al-Qaeda porque, de facto, é o único exemplo concreto de ataques no comboio em Espanha e no metro de Londres.

Resta saber qual foi o motivo que invocado e perguntar-se se há 5 anos atrás também andavam a rebentar bombas na Europa.

Ou seja. Continuo a achar que há cagunfa que fabrica tanta historieta como a vontade que eles possam ter de nos mandar para o galheiro.
Claro que sim. Vontade em inconsciente colectivo nãop deve faltar. Mas não é por tremuras de inconscientes colectivos que me daria agora para entrar em paranóias. Como classificou genialmente o Dragão- acédia, é o mal de que se sofre por estas bandas. Acédia alternada com declarações de bravura frente ao monitor.