quarta-feira, outubro 11, 2006

Escrita em bruto

Vou desanexar algumas palavras do território do que escrevo: dor, doloroso, ferida, dilaceração. Sem nenhuma condenação pelas inúmeras vezes que enquadrei assim o acto de escrever, tenho o rol das palavras e dos termos substitutos: mnemónica, alembradura, reconstituir. Também verde, alegria, vontade, combatividade. Tenho de descobrir novamente o poder. Eu sempre estive do lado do poder, do poder enquanto possibilidade. O exercício do mando, a que também eu pude aceder, o exercício do mando a que eu vi aceder muitos com quem tive causas comuns, afastou-me de uma ideia alegre, produtiva e com alguma felicidade, de poder. Muitos dos meus amigos são hoje poderosos. Não me deverei assustar muito com isso. É um fenómeno geracional. E como cada vez mais as novas gerações acedem ao poder, rapidamente assistirei à dança das cadeiras. Não me interessa por aí além. Só por um romantismo indecoroso é que eu poderia acreditar que os amigos que se perdem por causa do exercício do mando se voltam a reencontrar. Não é verdade, sabemos todos que não é verdade. Quando os meus amigos abandonarem as cadeiras, deixarão também de ser meus amigos. Não há nenhuma dor nisso. Os amigos ou valerão pelo que se viveu ou não valerão muito enquanto amigos. São uma espécie de promissórias. Tenho amigos que perdi e não é por isso que deixam de ser meus amigos verdadeiros. Perdi-os no tempo, no espaço, na oportunidade. Deixaram de aparecer, de ser, foram para cidades estranhas, nórdicas, eslavas, cidades onde o sol não pôe ou se se pôe, parece que nuca se alevanta. Não lamento nenhum dos amigos que perdi, a lamentar alguma coisa, apenas esta liberdade que nos traz e nos leva como as vagas das marés. Cheiraremos ao menos a maresia?