sábado, outubro 28, 2006

A importância dos amantes

Hoje trazia-me uma pergunta nova:
- O pai gosta mais de si ou da sua mãe?
Deixei cair a pergunta na esperança de que como tinha vindo, se fosse. Insistiu:
- O pai gosta mais de si ou da avó Dida?
Silêncio demorado. Ganhei tempo:
- Estás-me a perguntar se eu gosto mais de mim ou da minha mãe?
- Sim, de quem é que o pai gosta mais?
A resposta andou a vacilar. Senti-me um egoísta. Antes ainda pensei em todas as frases batidas, até aquela redondilha simples que nos ensinaram na primária, as três letrinhas apenas da palavra maior que o mundo tem, mas num repente de lucidez preferi ser tido como um salafrário do que - spanpara mim mesmo - como um mentiroso. Respondi:
- De mim.
- Porquê?
- Porque para ser honesto a minha vida é mais importante para mim do que a da minha mãe.
- Para mim também.
Deixa lá ver se eu ouvi bem, para ti também?. Insisti:
- A tua vida é mais importante do que a da tua mãe?
- Mas ela não sabe. Senti-me um traidor ao pensar que mais tarde poderia escrever aqui sobre isto e denunciá-lo à mãe.
- O meu amigo disse que era a mãe. Ele tem um melhor amigo. Leva-o para férias, para casa dos avós, vai com ele, troca babeleytes, partilha até as perguntas mais difíceis.
- E o pai? A sua vida é mais importante do que a minha?
- Não.
- Porque eu sou teu filho?
- Porque eu não me consigo imaginar a viver sem ti.
Demos as mãos. É isto o amor, pensei. Mentir, mentir, mentir e, nas trevas do mundo, essa mentira aparentar-se à maior verdade que um espírito pode conceder a si mesmo. Demos as mãos e não apenas as mãos, os dedos entrelaçados. Corria um silêncio estranhamente ruidoso, festivo, entre nós. Cono se fossemos amantes e se calhar, éramos. Nunca me senti tão próximo dele. A noite estava a correr-me bem. Tinha tido o cuidado de - enquanto esperava, como quase sempre, que a mãe mo trouxesse - comprar uma sopa na Mourisca, são-lhe sempre a gosto, depois com fiambre, arroz e ovo fiz um banquete. Quando ele entrou em casa a sala estava arrumada, a mesa posta. Tudo isso me deu uma serenidade e e ali estava eu com todo o tempo do mundo. A sua próxima pergunta levou-me longe: - O pai lembra-se de quando eu nasci?. Claro que me lembro. Tinha estado desde as nove e meia da manhã a limpar a mãe com uns lençóis que não limpam nada, muito menos a água, a placenta que se esvai, o sangue, foram horas naquilo, por volta das duas e meia uma trilogia de médicos com ar de entendimento dizem que nem daqui a uma hora, saio para comer algo e telefonar para a familia, quando volto, quinze minutos depois já ele tinha nascido. Ainda me lembro dos olhos de água, da cortina de olhos de água com que te saudei, disse-lhe, estava lá uma parteira e uma enfermeira que riam da cena, uma dizia, olha que chora tanto, quem a criança, não o pai, e riam, contei-lhe, o Pedro deu um riso grande, forte, naquele momento humedeci os olhos também. Apertou-me a mão com força:
- Eu também gostava de voltar a ser pequenino. Gostava tanto de ser bebé.
Disse-me mais umas tantas outras coisas que eu calo, que reservo.

4 comentários:

Elisa disse...

O Pedro é um puto tão giro! Pena achar-me tão feia... ;-)
Porque é que o sentimento de querermos ser pequeninos outra vez nos acompanha exactamente desde que somos pequeninos?

JPN disse...

ele não te achou feia. era manobra de charme...:)

Elisa disse...

ah bom. Já ganhei o dia, então.

Elsa Serra disse...

Bolas! deixaram-me de lágrimas nos olhos...o pedro quando crescer vai perceber que a vida dele sem ti também não fará o mesmo sentido e mais tu estás a continuar a "fazê-lo" e avê-lo "nascer"...