terça-feira, novembro 07, 2006

Quando ela vem

Há por vezes uma circunstância depressiva em mim. Um acidente, um compasso de espera, uma tortura da mente, do espírito. Quando era mais novo sofria com a antevisão do que isso podia ser em mim. Tenho uma estrutura nevrótica. Não cresci só com desejos de Paris, de Praga, dos lugares inexistentes e sobrantes deste mundo. Alimentei-me também de muito tédio pelo real, pela realidade. Descobria facilmente o medo, o pânico, chegava com alguma rapidez ao suor frio, ao desespero existencial. Eram períodos longos. Tu sabes. Nessa altura fechava-me no meu quarto, fazia barro e ouvia José Afonso. Foi há muito tempo. Por vezes a minha circunstância depressiva continua a visitar-me. É diferente. Como sabe que já não consegue manter um diálogo comigo entra-me directamente no corpo, estremece-o, abana-o, agita-o. Passado o primeiro choque sorrio-lhe como quem sabe que tem de tirar um tempo para lhe dedicar. Recebo-a com chá, mando-a entrar para a sala valeriana, estendo-a na marqueza, faço-lhe uma massagem. E no fim, quando dela me despeço, ouço sempre Caetano.

7 comentários:

Anónimo disse...

eu também conheço uma parecida, a que lhe chamo angustia fininha, e só se acalma com o TRansa do Caetano e com as variações Goldberg tocadas pelo glenn gould. Manias das tristezas..

JPN disse...

já tinha olhado para as variações goldberg e pensado no mesmo,...grande abraço.

Anónimo disse...

Felizmente as minhas são raras e vêm fortes mas passam depressa.
Os momentos musicais dos dois são óptimos.

Miguel Godinho disse...

Curioso, esse sentimento... Não há muito tempo, escrevi uma coisa semelhante.

Relembrar um tédio que esteve
no futuro e estará
no passado presente
como que uma peça que nunca
saiu de cena
num palco onde sempre actuo.

Miguel Godinho

Anónimo disse...

Caro Miguel Godinho, tédio não é o mesmo que estado depressivo. Estado depressivo não é sentimento.
JPN descreve bem: uma tortura da mente e do corpo.

Mónica (em Campanhã) disse...

as flores nascem muitas vezes desse estrume, como diria molero

JPN disse...

também tenho essa ideia, M. quando me deito sobre uma tristeza minha faço-o muitas vezes assim, alegre, como um jardineiro que cuida do seu jardim. :)