quinta-feira, janeiro 18, 2007
Uso Capião sobre Esmeralda
Tenho estado atento à informação sobre o triste caso de Torres Novas. Complexo, complicado, tortuoso. Estão em causa os direitos do casal que queria adoptar a criança e que, estranhamente, não foi ouvido no processo de adopção que acabou por conferir ao pai biológico o exercício do poder paternal. Estão os direitos inegáveis do pai, que a partir do momento em que soube ser pai, assumiu a paternidade. E estão em causa os direitos da Esmeralda. É aí que o texto torce a regra, o mandamento, o próprio juízo. Quem defende Esmeralda? E como se defende Esmeralda? Ainda há pouco assisti a um episódio muito esquisito, de uma manipulação quase invisivel. Paulo Camacho pergunta a Eduardo Sá, fala-se muito nos direitos do pai biológico, mas poucos no da criança, não acha? Claro que acha, Paulo Camacho sabe-o, todos nós esperamos, a resposta afirmativa de Eduardo Sá. Que diz que ninguém pensa na criança, na violência que é tirá-la de uma familia que é a única que ela conhece como tal e ela terá quase cinco anos. É claro que devemos pensar muito seriamente no facto de que na hipótese de que os pais adoptivos tenham agido mal ao sonegá-la do contacto e da relação com o pai, e que esse terem agido mal é tanto em relação ao pai como em relação à criança - porque que hipócrita é falar do amor daqueles dois seres por aquela criança e não reconhecerem sequer o peso que o amor do verdadeiro pai pode significar para a própria Esmeralda - o único tempo que interessará contar é o dos vinte meses, porque a partir daí será o tempo de uma usura, de uma exploração dos sentimentos tanto do verdadeiro pai como da criança. É um autêntico uso capião sobre uma criança. E tudo isto me parece muito estranho e extraordinariamente perverso porque não vejo ninguém, dos tais especialistas que falam pela voz de Esmeralda e que a pretexto disso defendem que a menina seja confiada à família que a pretende adoptar, a preocuparem-se com o facto de que essa mesma família se manifestou totalmente contrária à integração do pai biológico no espaço relacional da sua filha, deixando-a vê-la, conhecê-la. Não tenho dúvidas nenhumas de que o para o bem estar da criança a proximidade relacional e afectiva com o casal que o adoptou seria um aspecto importante e acho verdadeiramente intrigante que não tenham sido ouvidos no processo de adopção. Não tenho também dúvidas de que para os nossos quadros mentais e psiquícos, aquele casal parece reunir muito mais condições para oferecer uma familia à Esmeralda do que aquele homem simples a quem, por infortúnio, um dia chamaram Baltazar. São mais prósperos. A mulher não conhecemos mas ele é garboso. Pequenino, mas garboso nos seus galões de sargento. Só que eu gostaria que fizessem uma sondagem muito especial: que inquirissem uma mão cheia daqueles que foram educados por ausência de pai ou de mãe, porque por eles foram abandonados. E que mesmo assim cresceram com um sonho, um projecto, uma teima. Descobrir os verdadeiros pais. Irem um dia ter com eles e perguntar-lhes:- Porque é que fez isso comigo? Perguntem-lhes a eles e depois inquiram-nos, de como reagiriam eles se em vez de saberem que foram abandonados, descobrissem que tinham sido levados para longe do seu pai por parte dos seus pais adoptivos. Perguntem-lhes e vejam neles a Esmeralda.
De uma forma definitiva: eu acharia muito menos estranho este caso, o seu tratamento mediático, se visse mais pessoas e mais vezes a largarem as mesmas muletas retóricas do "o pai que só assumiu a paternidade porque fez um teste por ordem judicial", "o pai biológico que nunca viu a criança", e fizessem esta pergunta a todos os especialistas: como se sentiria se um dia viesse a descobrir que tinha sido afastado do seu verdadeiro pai por um casal que o queria adoptar? Acha que os poderia alguma vez perdoar?
O mal está feito e sem dúvida que a lentidão da execução judicial requer cuidados muito especiais. Desiludam-se os especialistas. Esta criança nunca vai ter uma infância como as outras crianças. Desfaçam portanto as expectativas. Comecem a olhar a criança, ela mesmo. Como se fosse uma pequena esmeralda.
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6 comentários:
"como se defende a Esmeralda?" eu (daqui) não sei. mas tenho a certeza que alguém sabe, costuma ser muito claro para quem conhece crianças e pais. assim (daqui) é difícil: há demasiadas variáveis. o pai biológico ausente não é sempre um sonho JPN. os adoptantes não são sempre pais. as crianças são demasiadas vezes infelizes - joguetes às mãos de quem não está bem consigo e com a vida.
"Porque é que fez isso comigo?"
Acha mesmo que esse é "o" sonho dessas crianças?? Não creio; o rancor não é coisa generalizada.
Mas acho que o percebo, jpn; esta frase explica-o:
"São mais prósperos. A mulher não conhecemos mas ele é garboso. Pequenino, mas garboso nos seus galões de sargento."
Não sei onde é que numa pergunta como aquela se pode ver rancor, Serrata. O rancor afasta-nos, aquela pergunta, pelo menos no caso de quem a fez, estava a cingir-me a casos concretos, por isso é que apenas falei de uma mão cheia de pessoas, aproximou-os.
M, é exactamente essa a minha estupefacção. Parece que tudo é fácil nesta história. É fácil para o tribunal negar o acesso dos adoptantes. É fácil para os especialistas assegurarem que o carpinteiro desempregado é pior opção do que o casal de adoptantes. É fácil a indignação, a minha, a dos que acham que o julgamento foi iníquo. é como tu dizes, há-de ser muito claro para quem sabe. vou deixar isso aos especialistas.
Só para avisar que vens citado no Diário de Notícias de hoje, sábado, dia 20.
Acho que a justiça gosta da Esmeralda. Todo o mundo gosta de crianças. Mas gostar da Esmeralda é uma coisa, gostar de polícias desobedientes é outra. Ele foi condenado porque fugiu com a pequena, desobedecendo às ordens que lhe foram dadas desde 2003. A todas as ordens. Não entregou a criança à mãe que a pediu de volta. Não entregou a criança ao pai que a quis desde que soube que era pai.Não identificou nunca o local onde ela se encontrava. Fugiu, desobedeceu, mudou de residência, recorreu aos tribunais. Nenhum lhe deu razão. E agora?
Agora alega (e tem uma legião de apoiantes)que a criança tem laços afectivos que não podem ser sonegados. Concordo. Mas...
A receita parece fácil: Esconde-se uma criança durante 5 anos e depois alega-se que a mesma já tem laços afectivos com os patrocinadores do esconderijo. A impunidade tem limites.
jr/
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