sábado, junho 09, 2007

escrever-pensar

está calor, mas não muito. há uma aragem fresca, a medida certa. o rio, sempre, sempre. o riso de uma criança natural. sou pai de uma criança de riso farto e natural. é o meu filho. já tentei ter a mesma evidência no corpo e no espírito de uma mulher, por vezes consegui, percebo sempre, há qualquer coisa de precário no amor. neste preciso momento em que escrevo sou tão do mundo como tudo aquilo em que me deixo, suavemente, emergir. continuo sem acreditar em deus. a constituir-me sua criatura, à sua revelia. o pensamento é em mim, sempre o lugar. por vezes o mundo pesa-me, como se fosse uma bolha que fosse rebentar, e aí eu maldigo o pensamento, pensar. são lágrimas secas, provisórias. mais à frente hei-de lembrar-me novamente de reconstituir os laços, as teias, os nós, pelo ofício, ou será gesto, de pensar. não é um ser livre que recomendo, é o que me calhou. estavam os deuses, os espiritos, a jogar à bisca lambida com o desígnio do mundo, a mim calhou-me em sorte este preocupar-me e despreocupar-me através do pensamento. há uns anos atrás tive um privilégio quase divino: subi a um palco. fui actor. digo-o sem alguma nostalgia. eu nunca fiz nada para aprender um ofício que não fosse o do pensamento. um dia gostava de ser uma pedra, um cão, um pedaço de vento. apenas pela curiosidade imensa de saber como pensa um canídeo, um mineral ou um pedaço de sopro. era tanta a minha curiosidade que matei o rapaz tímido, complexado, inseguro que sempre fui. e descobri uma coisa importante, que me arrastou do território da loucura onde um ser, qualquer que seja, pode estar. o meu corpo pensa. o meu corpo é pensamento. o pensamento que articula estas palavras é pensamento mas não é o único-único pensamento. há mais pensar no mundo. há mais pensar no mundo quando me calo, quando me silencio, quando deixo de ouvir o eco em que me tornei. e esse pensamento transfigurado, desfigurado, sem rosto, é festa. a festa.

3 comentários:

cecília r. disse...

subir a um palco vai afastando a timidez. mas no imo, no que há de mais fundo profundo, não se fica sempre igual?

JPN disse...

não, claro que não, cecília. há uma altura em que percebes que podes continuar a gostar e a cultivar a tua timidez e ao mesmo tempo a seres dádiva num palco. fica-se mesmo diferente! :)

cbs disse...

bela janela pró rio!
abraço pá :)

PS: saudades