segunda-feira, setembro 10, 2007

Aeroterapia

Um dia vou cansar-me de aderir a este estranho hábito tribal de condecorar as mulheres com uma medalha da primeira vez. Não porque seja idiota. A quantidade de coisas idiotas que eu continuo a fazer ao longo de anos e anos é incontável. É principalmente porque nenhuma mulher com juízo quer, a partir da metade superior dos trinta, ouvir isso. Ao contrário de nós, que pioramos com a idade, que ficamos mais flácidos, principalmente psicológicamente, as mulheres ficam mais inteligentes e belas e macias e perfumadas com o amadurecimento do pequeno grão de ervilha interior cujo mapa é ainda mais dificil de cartografar do que o outro, exterior, que, depois de tantas vezes ignorado, já se tornou uma das nossas obsessões. Uma das mitologias femininas mais profusas na minha juventude era o culto das mulheres balzaquianas. Talvez isso tenha existido em épocas recuadas. Ao olhar para as mulheres que conheço com mais de quarenta anos e que vivem sem um parceiro, não as reconheço nessa mitologia, e parece-me até que ela é bem uma categoria inventada não só por homens que com a idade começaram a ter medo do que fizeram às suas mulheres, mas principalmente por homens que começaram a aterrorizar-se com a ideia de que, no território da líbido, têm de começar tudo de novo. As mulheres balzaquianas são uma espécie de alter ego que criámos para adornarmos a nossa vida de um pouco de delírio e fantasia erótica enquanto nos enfastiávamos com as mulheres com quem repartiamos o duro e quotidiano fardo do existir. Só que hoje as antigas mulheres balzaquianas já não precisam da companhia das leituras de Honoré Balzac para sentirem o aperto, o nó, o espartilho que tutela as nossas vidas de homens e mulheres. É por isso que elas são belas, são macias, e a verdadeira vida que devemos viver e é por isso que a inteligência dos homens começa quando as começamos a escutar. Mas não era delas, nem de Balzac que queria falar. Era de mim, como sempre. Só por compaixão com o meu vangloreio estéril e bacoco, e por aquela delicadeza tão própria do género, é que elas não desmancham o riso quando as inscrevo no clube das primeiras vezes que. É por isso que, para não maçar a inteligência da mulher que respiro, agora o digo para dentro, para o dentro que este poço sem fundo que é um blogue é, e eu nunca seria capaz de ter a mínima complacência por uma mulher, fosse ela pretérita, futura ou presente, que me lesse aqui neste lugar onde não sou, nunca serei, nunca fui. É a primeira vez mais uma vez. Como se fora um pedaço de ar que me entrasse pelo peito e me devolvesse o mundo, na sua original e turbulenta ingenuidade, é a primeira vez mais uma vez. Respiro-a como se só devesse a mim mesmo a estranha felicidade de continuar vivo. A primeira vez que a solidão é também um lugar onde a encontro. Sempre, mesmo que não a veja, que não a cheire, que nem sequer a imagine. Sempre, sempre, até quando a traio. Como se alguém pudesse trair o ar que respira. Se fosse castigo seria uma maldição. Não o sendo, é aquela cura em que a respiração se constitui no movimento de um ser.
[Imagem de A Rua dos Contos]

3 comentários:

Cristina Gomes da Silva disse...

Se estivesse ao teu lado, com um copo, nas mãos brindaria a este texto, assim brindo na mesma. :)

JPN disse...

:)

Anónimo disse...

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Hope to get some assistance from you if I will have any quesitons.
Thanks in advance and good luck! :)