sexta-feira, dezembro 14, 2007

O que (nos) acontece

Tenho alguma dificuldade em pensar aquilo que a linguagem deve ser. De saber de que é que ela deve falar. E não estou a falar propriamente da linguagem. É do discurso. Confundo sempre as coisas. Não sou só eu. Aliás, o uso predominante de uma determinada linguagem, a verbal, tem, sem me aperceber, um efeito discursivo. É uma escolha de uma linguagem face a outra. Estou aqui no blogue a escrever palavras com os quais materializo ideias que me ocorrem ao espírito. Estas ideias ocorrem-me como?
Antes de começar a escrever estive aí uns dez minutos a olhar a tela aparentemente branca da nova mensagem. Tinha escrito apenas o título, o que (nos) acontece. Era exactamente sobre isso que eu senti que queria escrever. Mas depois entrei em processo de procura. Ía dizer interior, procura interior, mas calei-me a tempo. O interior/exterior é um chavão do espírito, uma convenção. Nunca olhei para dentro de mim mas já tive acesso, como todos nós, àqueles programas médicos onde nos vistoriam as entranhas. E, por mais perfeito que seja o maquinismo que me alimenta de vida, tenho esta certeza: o que está dentro de mim, arrepia-me. Sei lá se é uma procura interior! E se as minhas imagens, as imagens do que vejo, não estiverem dentro de mim? Aliás, se houver também um fora de mim que mesmo assim me pertença, do qual eu faça parte? Porque é que há essa ideia abstrusa de que a minha identidade, o que eu penso, está dentro de mim? Se não é uma realidade fisica porque deve estar misturada com o meu corpo físico? Há uma conexão evidente entre a minha percepção de mim enquanto unidade material e espiritual, sem dúvida. Sei onde está a minha unidade material porque, para além da minha percepção e da percepção que os outros têm de mim, o conhecimento que organizamos para a detectar, localiza-a. Mas as minhas memórias, os meus pensamentos? São só manifestações da minha matéria em forma animada?
Ou seja, o que eu quero tentar dizer, e pelo estado de paroxismo que afecta este discurso já se compreendeu que até mesmo eu duvido que o vá conseguir, é que me apercebi que não me basta ficar calado para não cair no erro que este linguarejar é em mim. Porque mesmo calado penso, e penso utilizando uma estrutura discursiva que me provém desta linguagem predominante, que aprendi aos socalcos, desde a infância, e que hoje se naturalizou com tanta mesmificação com a minha identidade que é um trabalhão dos diabos separar uma da outra.
Há outras linguagens. Apresso-me a colocar um ponto final nesta mensagem, a desistir deste linguarejar, saio para a rua, saio para a rua na ilusão de que consiga encontrar um buraco negro na linguagem onde seja possível libertar-me da mentira. Há qualquer coisa antes da linguagem - qualquer coisa cujo significado, no meu linguarejar, a palavra mais próxima de a expressar é bondade - que me dá esperança de que seja possível viver fora da mentira.
Numa maior aproximação ao que (nos) acontece.

1 comentário:

isabel mendes ferreira disse...

...." a palavra mais próxima de a expressar é bondade - que me dá esperança de que seja possível viver fora da mentira.""...



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