quarta-feira, janeiro 09, 2008

A duração das coisas

Olhou para o calendário. É uma medida. Disse dois meses, os dois últimos meses e não entendeu nada. O tempo é o que lá colocamos nele. Deixara de usar relógio há uns anos - tinha vários, acumulados na gaveta do quarto -por não querer associar esse dispositivo ao seu corpo, como se fosse mais uma prótese. Era uma metáfora, sabia-o, mas a vida vale também pela metáfora em que se constitui, repetia-o, o tempo é interior. Era o seu batimento cardíaco o seu relógio. Olhou Clara, semi nua, perguntou-lhe:
- E se nós nos tivéssemos reconhecido há vinte anos atrás?
Sentiu os olhos dela a cravarem-se no seu silêncio. Não era preciso dizer nada. Só nos enredos rascas é que todas as perguntas têm resposta. Se dois meses lhe pareciam uma vida, o que fazer com o resto? Quando há vinte anos tinham estado os dois juntos, na mesma esplanada de um café parisiense, sem se reconhecerem, ainda não sabiam que era um ao outro que se procuravam. Não eram os mesmos. Roberto empanturrou os sentidos de prazer. A sua pele já não era a epiderme. Era o revestimento do sensível.

1 comentário:

Mónica (em Campanhã) disse...

já estiveste mais longe do teu romance