quarta-feira, janeiro 16, 2008

Janeiro

Os sentidos todos falam a verdade: uma vida outra emerge deles. As palavras são rubis, pedras preciosas. Não as devíamos gastar todas de uma vez, nem com garbo, nem com vaidade. Elas deviam ser únicas, tautológicas. A linguagem não deveria existir. O que teria sido este velho mundo sem linguarejar? Os nossos poetas, os nossos mestres, quem seriam os que iluminavam a nossa mais profunda escuridão? Se um dia vir uma palavra a sangrar, aí farei uma casa. Primeiro o tecto, o telhado de colmo, os varejamentos do céu, do firmamento até ao solo. Construímos os nossos lugares ao contrário, malfadada arquitectura dos sítios. Quando eu era criança apaixonei-me por uma casa que tinha um sotão. Era um espaço imenso, os espaços são tanto maiores quanto o número de infâncias que abrigam. Por vezes a cabeça batia nas traves de cimento, uma dor, um galo, acentuavam o acontecimento. Ou chovia contra a vidraça. Devia ser em Janeiro, em Janeiro chove sempre muito. Ainda vejo o casão do vizinho, o seu pombal, as anilhas nos pombos-correio. Eu quero a palavra que sangra, ouviste? Tenho lido muito nestes últimos tempos. Descanso nas palavras dos outros, a escrita é uma espécie de pecado. É uma das poucas formas de expressão que está sempre a ver-se ao espelho, ufana de si, do seu contentamento. Já me fui embora e ainda aqui estou.

1 comentário:

Terra disse...

Olá. Também atrasada, mas ainda nos primeiros dias de 2008, desejo-te (e o Jorge A. também) um novo ano com tudo de bom.
Bjnhos