Deve vir hoje num obituário de um jornal de Colónia. Talvez ocupe mesmo umas sete linhas de jornal. Um voo de kamikaze de um vigésimo sexto andar de um hospital ainda consegue ser, por vezes, uma notícia. É com a Sara, que não conheço, que entretenho os meus piedosos pensamentos. Ocupam-me os seus nove meses de idade. O facto de ela não saber. Amanhã vai sentir falta do leite. Da teta na boca. Vai-lhe faltar porventura o cheiro, o calor do corpo materno. O hálito. O que é que é uma mãe para um bebé de nove meses? Ontem também recebi uma foto, uma das primeiras fotos do Zé Pedro. Parecia um anjo dormindo, envolto num sonho que como uma película, o salvava na escuridão. Eu não sei se a velhice, ou melhor, se da velhice à morte vai ser só isso, escuridão cada vez mais densa, o que sei é que nas minhas memórias de infância a escuridão era mesmo um buraco negro, os corpos e os objectos caíam no vácuo e rodopiavam numa espiral até desaparecerem. Próximo do Zé Pedro e assim, de sopetão, da Sara. Lembro-me de que me perguntei ao olhar aquele rosto impregnado de tranquilidade, chegaremos um dia a perceber a composição quimica da molécula do sonho?
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