sexta-feira, março 28, 2008

Do que se ocupa a República?

Leio meio incrédulo, a notícia no Metro ( eu sei, não há informação grátis!) sobre a demanda da Procuradoria Geral da República acerca do caso da Escola Carolina Michaelis, principalmente no que respeita à justificação: " Começam-se pelos crimes de pequena delinquência e depois vai-se para a grande delinquência. Como na droga. Começam-se com drogas leves e depois passa-se para as pesadas." Creio que o digno senhor Procurador Geral da República não terá explorado todas as potencialidades da sua retórica . E trato-o assim porque a partir de agora só salamaleques e espinal medula dobrada, com este senhor. Não vá ele por-se a investigar aquela altura em que me entreguei ao pequeno crime de apanhar as folhas de alface (antigas notas de vinte escudos) do porta-moedas da minha mãe, crime que ela já perdoou mas que temo, possam vir a confirmar-me como um potencial grande delinquente. Creio que teria sido muito interessante também ouvir o digno senhor Procurador Geral da República perorar sobre quando é que se começa a ser procurador geral da república, ou quando é que se começa a ser primeiro-ministro, presidente da república, juiz, já que não é só da deslustração que o homem se antecede a ele mesmo. É claro que isto não afecta em nada a confiança que eu tenho na justiça. O conhecimento e aviso que o digno senhor Procurador Geral da República tem sobre a tramitação da justiça nada terá a ver com a sabedoria de café que parece sustentar o seu conhecimento sobre as drogas ou sobre a forma como classifica este incidente de delinquência juvenil. E a única coisa que parece poder ter alguma repercussão é sobre as coisas de que se ocupa a República.

2 comentários:

blue disse...

é deprimente, de facto, jpn.

mais deprimente do que ver uma aluna e uma professora completamente descontroladas,
mais deprimente do que assistir à indiferença e incitação dos colegas, (esta, para mim, a questão mais grave de todas),
mais deprimente ainda do que a constante passagem da gravação na televisão...


há alguns anos, fiz uma viagem de comboio ao lado de duas professoras que leccionavam em escolas primárias rurais. passaram uma hora a contar, de forma orgulhosa, como resolviam - à pancada - os seus problemas com os alunos.

a minha professora primária, que tanto me ensinou, todos os dias dava uma reguada por cada erro a uma rapariga chamada Isabel, cujos pais eram emigrantes em França e que vivia nuum barracão ao fundo da rua com a avó cega. durante quatro anos, não houve dia em que não apanhasse 10, 15, lembro-me de contar 25 reguadas nas mãos. todas tínhamos medo dela. não era respeito, era medo. medo da sua régua, da vara de dois metros, das cóleras de uns estalos imprevistos.

também me recordo dos outros professores, os que nos conquistavam pelo respeito que infundiam, pela dedicação e exigência com que ensinavam, pelo afecto que, alguns, também demonstravam pelos seus alunos.

o respeito merece-se, outras vezes conquista-se, exige uma atenção e um cuidado diário.

o sr. ministro deve achar que umas reguadas e um juíz severo são mais eficazes... e país aplaude e os pais têm um novo papão para substituir os das histórias que nem sempre contaram.

JPN disse...

sabes Blue, devo andar a tomar as pastilhas erradas, já nem me deprime isto. acho apenas irreal, demagógico, absurdo.

e também penso o mesmo sobre o que se passou na sala de aula.

sou filho de uma professora que nos seus bons tempos - no outro dia encontrei um amigo que foi seu aluno que me disse que ela também os terá tido dos maus - andava a correr de seca e meca para tirar os seus alunos dos trabalhos esforçados do campo e para os entregar ao estudo das letras, das formas, e da aritmética.

há, independentemente de diferentes maneiras de entender o mundo que todos possamos ter, uma grande insensatez no meio disto tudo.

:)