segunda-feira, abril 07, 2008

Quando deixarei de pensar?

Morremos devagar,
respondeu a borboleta ou o pequeno fim do mundo que ando a semear dentro de mim.
E quando é que morremos como entendimento, para o entendimento? , insisti, mesmo sabendo o quanto as borboletas e os pequenos fins de mundo detestam os chatos.
Todos os dias me pergunto: quando é que vai morrer esta ideia de mundo que transporto há décadas na minha cabeça? Não é a doença degenerativa do átomo cerebral que me perturba.
É a minha doença ética, moral.
O cansaço.
Quando me cansarei de vez de ver todos os dias as mesmas casas, as mesmas pessoas, as mesmas ruas, os mesmos circuitos, mesmificação absoluta do trilho deslustrado?, pergunto-me todos os dias, a todas as horas, em todas as ruas, em todas as casas.
E como será a morte moral (como se eu não o soubesse, como se isto não fosse já a minha própria definhação sem andor nem carro alegórico!!!)? Desistirei dos meus mitos diários?
É o torpor das respostas que cansa.
O ir a jogo.
O ir desesperadamente a jogo.
A doença ética do indíviduo, de um qualquer indíviduo - nunca perceberás ou saberás, porque não o deixarei entender nunca, se falo de mim ou se em mim simulo fazendo de conta que sou tu, que é de ti que falo - é um balanço.
É a própria vida.
A vida própria na sua banalidade e crueldade trágica.
No seu desenlace espectacular.
Há coisas que nos morrem e outras que nos renascem e os nossos pensamentos condizentes vão no carreirinho de talvezes que é ora a tristeza, ora a alegria.
Saibamos viver entre humanos a nossa humanidade: a doença não é do espírito, não é do corpo. É da nossa matéria mais improvável, essa massa de valores, de crenças, de certezas, de capachinhos no alto do cucuruto.
O resto é consequência. Até o fugir, o encontrar, o desabar.
Então, e aproveitei de novo a passagem fulgurante de uma pequena borboleta, se é assim, quanto tempo levamos a desabar?
[Todos os dias no metro puxo do meu "Paris nunca se acaba" no qual agora tenho um marcador, uma tira de papel plastificado com desenhos do meu filho, para que todos à minha volta não percebam o cheiro pestilento que se solta das minhas ruínas.]
O meu mundo está cansado de figurar, de retratar, de imaginar.
A minha linguagem é uma puta velha que fode mal e sem prazer nas bermas das estradas, no colo de automibilistas sem tempo e que já sem dentes, faz broches aos adolescentes que a procuram para poderem desenvencilhar-se das vergonhas da virgindade tardia.
Há qualquer coisa entre o prosencéfalo, o mesencéfalo ou o rombencéfalo que não circula, que não mexe, que não se agita, que não canta, que se senta,
quem sabe a apreciar um fim de tarde esbaforido que chegou entretanto ao meu quintal.
Cheguei um dia a pensar que a vaidade, o desejo de glória, me podiam libertar da morte ética em que mergulhei.
Nem isso me trouxe de volta de um sono profundo. Troco o sentido da vida pelos sentidos com que vivo.
A vida é pouco mais do que esperma, baba, muco e suco. Se lhe somarmos então o horizonte, a linha do horizonte,
o lugar de vigia,
temos tudo.
Quando deixarei de pensar, quando desistirei definitiva e irremediavelmente de uma tesão do espírito, de um enlace?, perguntei pela última vez ao fim do mundo que esbracejava no alvéolo do meu pensamento.
Não sei que desespero, que raiva, que fúria coloquei na pergunta. O que é certo é que - mesmo que já não o fim do mundo mas a borboleta que o agitava - respondeu.
Já não sei o que me respondeu.
Nem saberia transpô-lo para aqui. Pressuponho aliás que se o tentasse as minhas palavras derrotariam a força com que a sua resposta rebentou com o dique em que me fui constituindo.
Só sei que comecei a rir desalmadamente e que me levantei do tédio onde estava sentado há horas e saí para a rua iluminado, a dançar, com uma enorme tesão, uma vontade descomunal de comer a vida.