sábado, maio 31, 2008

Amanhã (hoje) a política será (tem de ser) outra coisa

Ando há anos, desde a década de 80, com esta frase de Maurice Clavel numa entrevista publicada na Jornal Novo. Já não me lembro de mais nada, do ano, de quem a fez, qual o contexto. Sei apenas esta frase que me ficou como uma bandeira. No prefácio do seu livro "Terra-Pátria", Edgar Morin escreve que "precisamos de mundiólogos". Cruzo-as, às duas. Em Nascemos Culpados escrevi:
" a única força que poderá ainda impedir a devastação que o ataque americano, ou o seu anúncio, veio trazer ao nosso mundo, será a de aceitarmos que morremos com a morte do Outro. Que nos embrutecemos com a sua ignorância. Que perdemos a nossa própria humanidade quando o Outro é despojado da sua dignidade humana. A única coisa que pode impedi-lo é uma força maior do que aquela que, neste momento, o faz pender, como um cutelo, sobre o nosso mundo. A força dos actos cívicos praticados quer pelos homens livres, que serão sempre poucos, quer por aquela imensa mole que encontra na ânsia de ser livre, a expressão possível da sua liberdade.E esse é um combate que talvez nunca devêssemos ter negligenciado, mas que agora, sabemo-lo nesta noite terrível do pensamento desaparecente, nos convoca para sempre. "
Tenho, como sabem todos aqueles que me conhecem, uma grande simpatia pela esquerda. Se aprendi a divagar com Somerset Maughan, foi com Sartre, com Virgílio Ferreira e com Russel que aprendi a pensar. E não me atreveria a escrever "A Malta de Esquerda" se para além de querer dar uns piparotes num folclore de esquerda que não nos deixa caminho livre para o pensamento, não estivesse perfeitamente convencido de que a crise onde vivemos hoje em dia é tanto mais indesejável e incómoda quanto a virmos à luz das lentes da dialéctica esquerda-direita. E que, à luz de uma nova ordem política que nos ajude a compreender o drama humano das nossas sociedades é um percurso indispensável. Para isso temos que investir toda a nossa inteligência no esforço de conseguirmos que as sociedades e as economias mais frágeis sofram menos com o embate e isso só se consegue com um recuo do tentar solucionar o problema à escala nacional. Precisamos de uma novo acordo ortográfico para a linguagem política, para a filosofia política: barbárie tem de significar o mesmo em todos os territórios do nosso mundo. Exploração do humano pelo humano tem de ser um conceito estabilizado. Economia tem de ter o mesmo valor tanto para os especuladores do mercado bolsista nas principais capitais do nosso mundo como para um agricultor dos campos da fome etíope. Glocal era uma palavra muito em voga do desenvolvimento dos anos 90 e que deve ser retomada, enquanto proposição que fala do agir ao nível das pequenas redes e do investimento numa compreensão global. O movimento em torno da especulação dos preços o crude indicia essa preocupação.
Há na crise que se instala dois aspectos positivos que deveremos cuidar: o primeiro, o facto de que quanto mais cedo a interiorizarmos mais cedo começamos a enfrentá-la e a tentar compreendê-la à luz das novas condições políticas de um mundo que está online. O segundo que os nossos modelos de compreensão da realidade estavam esgotados, já não eram capazes de nos fazer felizes e de promover a felicidade e que as condições políticas que nos permitem pensar no mundo global parece terem condições de nos assegurar uma vida em paz, mais livre, mais solidária.
Daqui a uns séculos, aqueles que olharem para a nossa história, perceberão o quão autofágico era afinal este padrão de felicidade que é o principal responsável da nossa infelicidade actual.

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