A libertação de alguém em cativeiro tem sempre algo de acontecimento, de entusiasmante. É mais do que humano, é político mas é, principalmente, da ordem do humano. O ser humano não nasceu para viver aprisionado e isso toca-nos instantaneamente em múltiplas direcções. E até ao osso. É um radical que une todos os seres humanos. Por outro lado, a vida complexa que levamos - nós que muitas vezes andamos por esta liberdade a sério como se ela fosse a fingir, como se estivéssemos permanentemente em cativeiro - é fortemente interpelada por esta festa da vida, do dar-se conta, dança dos mais infímos gestos, de um@ libertad@ do cativeiro. Não é boa altura para pensar - há momentos mais indicados para o fazermos - mas no plano da informação global, esta é uma história que rende e que por isso tem de ser fortemente narrada. Depois, daqui a três, quatro, cinco anos, talvez num documentário longínquo da National Geografic ou dos 60', venhamos a descobrir o processo de fabricação da história na era global. E, neste caso, a menos que se provenha de alguma seita de fanáticos da conspiração, parece legítimo pensar, como no caso Maddie, que o trabalho de efabulação, de construção do mito, seja rio que corre paralelo à da importância a dar ao caso: de certa forma, por mais que ela tenha sido uma refém muito especial, por ser a mulher, por ser mulher na política, por ser de uma energia e combativatividade invejáveis, o que importa é que nós conseguimos espelhar no seu caso toda a nossa revolta, a nossa consternação pelo drama humano em cativeiro, todo o nosso exulto sobre a libertação, a liberdade, o prazer da própria vida. Não foi por acaso que de todas as muitas imagens de Ingrid que andam pela net escolhi aquela em que á chegada ao aeroporto, ela faz uma meiguice na cara da mãe. Essa imagem para mim diz tudo sobre a disponibilidade qua a sua história, a sua situação, ela própria, tem para ser um ícone psicodramático da projecção do que de melhor temos nas nossas vidas. É aliás uma excelente foto onde repousam elementos da natureza política, militar e humana que caracterizam o fimd a tragédia de Betancourt. Cá por casa as atenções têm-se focalizado nas posições do PCP e na sua dificuldade de participar nesta cerimónia litúrgica, melhor, de se integrar nesta nova liturgia em que se constituiu a libertação de Ingrid Betancourt. E não sei se compreendo a pertinência desta mira : toda a gente sabe que o PCP teve as FARC como convidadas na Festa do Avante e que essa presença é um reconhecimento da legitimidade da sua luta. Ora a libertação de Betancourt não tem nenhum ingrediente para mudar esse status quo político das FARC na visão do Mundo segundo um PCP que não só não condenou a sua detenção, o seu rapto e sequestro, como ainda por cima tem os seus autores como forças revolucionárias no folk politic da Festa do Avante. Não se percebe como é que o PCP poderia exultar com a libertação de Betancourt sem antes reconhecer politicamente que errou, ou como disse Saramago, que as FARC não são revolucionárias, porque os seus pressupostos de formação estão diluidos em sangue, cocaína, ódio e morte. Há aqui qualquer coisa da ordem da falta de bom senso e neste caso não é (só) do PCP. É claro que este trabalho discursivo tem levado também a não criar condições para que surja um discurso crítico sobre o sequestro que as FARC, o narcotráfico e os paramilitares (que Uribe protege) têm praticado sobre a Colômbia. A história de Ingrid Betancourt, pelo seu exemplo de coragem, de resistência, de acção não violenta, devia-nos levar a projectar-nos numa Colômbia que não aparece nos telejornais, que não rende, não vende, aquela Colômbia desarmada, a quem uma guerra civil fraticida levou o irmão, o pai, o tio, o primo, que em cada acto eleitoral em que aparece alguém com coragem, como aconteceu nas últimas eleições com Carlos Gavíria, levanta de novo a esperança, a cabeça, como Ingrid no dia a de dia de cada dia mais um dia do seu cativeiro, aquela Colômbia teimosa que há-de depois reconhecer que, mau grado a esperança, os dias a seguir às eleições serão de vingança dos vencedores, que os assassinatos meticulosos sobre os candidatos políticos se seguem e que afinal estão cada vez mais sós. Adenda, ou o blogger errou: tinha colocado aqui duas expressões de retórica mais forte, que falavam em alguma hipocrisia na valorização pela negativa da atitude do PCP. Ao passar pelos meus blogues de todos os dias apercebo-me de que alguns atribuem muita importância a essa posição. Independentemente da opinião que tenho sobre este assunto, que expressei, é evidente que a força retórica da expressão utilizada (que já retirei) me incomodou. A menos que não me dê conta que o esteja a fazer, o que acontece quando atiro uma tirada para a geral, não me apetece nada acusar de hipocrisia nenhum blogguer, e muito menos bloggers que respeito. Ter de tirar essas expressões foi já de si um momento de aprendizagem em que me apercebi que o que escrevi ficou muito mais claro sem estas tiradas arrogantes.
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