segunda-feira, julho 21, 2008
O espectador comprometido, Loures e a puta da linguagem
É claro que como há negros e ciganos metidos no conflito que explodiu em Loures entre negros e ciganos os comentários vão dividir-se entre aqueles que acham que é um conflito étnico e aqueles que acham que é o resultado das más condições de vida em que se vive naquele bairro. E todos têm razão porque de facto o que se passou em Loures pode ser visto como um conflito étnico, estavam pessoas de duas comunidades de etnias diferentes envolvidas, e como o resultado da má integração que estas etnias têm no nosso país e das deficientes condições de vida em que vivem a grande maioria das comunidades africana e cigana no nosso país. Sem dúvida que há zonas onde as comunidades cigana e a africana se dão no melhor dos mundos e onde a pobreza não leva a esses desvairios mas é claro que o efeito multiplicador das razões se poderia dar: havendo bairros onde a comunidade africana coabita também com a comunidade cigana noutras zonas dos arredores de Lisboa, a sul e a norte do Tejo, poderá haver quem julgue que os conflitos eclodiram porque estas comunidades viviam na zona de Loures e não numa outra qualquer. Provavelmente as comunidades envolvidas têm visões diferentes do assunto. Ou seja, é bom que pensemos que por um lado a inevitabilidade de adoptarmos um determinado ponto de vista de análise não compromete a realidade, o que de facto aconteceu, mas sim, a nossa própria elaboração do que aconteceu. Na Quinta da Fonte andaram aos tiros, destruiram-se casas e quem fez isto agrupou-se em torno da ideia de uma determinada vivência em grupo, em comunidade. Não restam dúvidas de que os negros que invadiram as casas dos ciganos as invadiram porque eles eram ciganos e queriam assim intimidar, expulsar ou maltratar ciganos. É sensato também pensar que os negros que assim o fizeram, tomaram em si a histoiricidade dos conflitos entre a pessoas da comunidade africana e pessoas da comunidade cigana e esperavam que os seus actos fossem interpretados como actos de negros contra ciganos. Que fossem interpretados assim pela comunidade africana, pela cigana e por todas as outras. É por isso que a puta da linguagem que é no entanto senhora séria, não nos deixa margem para dúvidas: Loures, a Quinta da Fonte, um conflito entre pessoas é também tudo aquilo que nós quisermos que seja. É claro que quanto menos tivermos capacidade para o assumir, mais vamos ficar a pensar que a realidade é aquilo que nós pensamos que aconteceu. E vamos construir, sufragar discursos políticos que sejam intelígiveis a esta nossa maneira de ver. Ou por outras palavras, em Loures aconteceu mundo.
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