Tinha acabado de sair de casa quando lhe telefonei. Conheceram-se nos bancos da faculdade, logo aos primeiros anos. Feitas as contas e as partilhas, tem quase metade da vida juntos. Um filho. Milhares de quilómetros de viagens. Nestes momentos faço sempre de miquinhas chorosa. Do outro lado cada vez mais a vez da serenidade, do saber como. Estamos todos bem, disse-me. Excepto a criança, claro. A criança, as crianças, o nome delas, em nome delas. Nem é o como lhes havemos de explicar que, com a mesma naturalidade, a vida nos une e nos separa. Elas sabem isso. Sabem cada vez mais isso. Nós somos grande parte informação e aquilo que chamamos informação genética já tem muito de informação cultural, transmitida. E qualquer criança sabe coisas que são de hoje, para hoje. O problema não é explicar-lhes. É estar ao lado delas sempre e sempre e sempre quando têm de preencher o vazio que as imagens do pai e da mãe juntos lhe deixaram. Nós somos essencialmente imagens. Imagens interiores, imagens exteriores. Há uns meses quando ele pressentiu que a minha relação actual era a sério, disse-me, eu não quero ter nenhuma madrasta. E eu percebi a força dessa imagem no nosso imaginário. É uma herança, algo que nos ficou de um ouro mundo que já nao é o mundo em que vivemos. Agora está a brincar com ela na cama, acordando-a com risos felizes. E também já pediu à mãe e ao namorado que lhe dessem um irmão. Aprendi isso nos bairros escangalhados onde trabalhei: a educação não são os livros, as imagens, a doutrina. Isso é ideologia, em suporte material ou imaterial. A educação é estar lá no momento em que o vazio se abre e fecha. E ainda mais. Depois do momento em que o vazio se abre e fecha. A educação é uma relação.
1 comentário:
tal & qual
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