quarta-feira, novembro 19, 2008

Sociedade invisível

O mundinho da nossa política por vezes assemelha-se a uma daquelas estratégias do teatro invísivel de Augusto Boal. Vem uma pessoa, neste caso Manuela Ferreira Leite, e diz aquilo que em vernáculo se chama, uma bojarda. A senhora, com o seu fato de saia e casaco e blusa com colar de pérolas já saiu de cena, a lamentar-se de ter de falar em público, esta chatice democrática. Depois vem uma e outra pessoa e começam a discutir sobre o que ela disse. Alberto Martins foi o primeiro, coube-lhe as honras do primeiro riposteio. Que quase fazia ricochete, tal a desmesura da pose de antigo antifascista. Mas esteve bem quando disse que não tinha sido a primeira vez. Não são só as omissões sobre a Madeira ou sobre o BPN. As declarações de Ferreira Leite sobre a influência dos trabalhadores estrangeiros para o desemprego em Portugal, se tivessem sido feitas pelo líder do PND, davam inspirado saracoteio sobre o chauvinismo anti-democrático. A seguir a Alberto Martins veio o Luís Filipe Meneses fazer aquilo que lhe fizeram a ele. O PSD oficial que sobrou depois dos estilhaços chegou à porta para dizer que o PS não tem sentido de humor e explicar a piada que, como qualquer anedota contemporânea sobre política tinha de envolver Sócrates. José Manuel Fernandes, do partido dos donos dos jornais também veio comentar, como lhe competia: estão todos enfrascados em disparate sendo que uns estão também em hipocrisia. E a conversa, tal como no teatro invísivel, ficará por aqui. Os prós, os contras, os assim-assim, os por detrás de uma coisa está uma outra e essa é que é. E para fechar a discussão (embora o pobre coitado só a quisesse abrir) pode vir um tipo dizer, mas que democracia é esta em que nem se discutiu por um minuto o sentido do que ela queria dizer? É que nem tudo são democratas encasquinados como a MFL. Há gente que acha mesmo que a democracia é o caminho mais longo para a resolução dos problemas. E se calhar, há muito comportamento anti-democrático na nossa democracia por causa disso. Guantanamano não é apenas uma prisão no fim de um mundinho turístico. É o exarcebar extremo de uma racionalidade que, em formato moderado, ronda muitos dos nossos tiques políticos: em alturas de crise temos de falar a uma só voz, agora não é tempo para discutir os direitos de quem trabalha, etc, etc. Talvez fosse útil, de quando em quando, discutir alguma coisa sobre aquilo que somos e não andarmos, reiteradamente, a fugir disso como diabo da cruz.
Imagem daqui.

1 comentário:

blue disse...

infelizmente, muitos pensam o que ela, irresponsavelmente, disse. desbocada, a senhora, de tão autoritária que é. os silêncios são, como sempre, demasiados, e as respostas dos partidos a tal dislate, são apenas oportunistas. a mim, faz-me ainda mais impressão a tipologia do PM - tão autoritário, tão arrogante, tão "moralmente superior", tão "bem-falante", um desportista... ah, e alguns dirão: tão bonito! como há muitos anos atrás diziam do Cavaco Silva, eheh...