O Eduardo está muito ligado aos problemas da educação e produz aqui uma reflexão importante. Não posso no entanto estar em acordo com a sua ideia de que o problema fundamental da educação pública é estar fora do mercado. Não vejo como uma coisa que é a sua condição pode ser também um problema. É uma problemática, ou seja, suscita um conjunto de problemas e oportunidades específicas, isso sim. Por outro lado a educação pública não está totalmente fora do mercado. Não está fora do mercado quando ela se realiza formando pessoas cuja finalidade é ingressarem no mercado de trabalho, sendo muito deste privado. Isso faz com que acha uma pressão muito forte, uma pressão positiva, exercida sobre a escola por áreas de produção e de actividade onde pontifica o sector privado. Não está fora do mercado quando ela se concretiza através de instrumentos pedagógicos produzidos através do mercado. Não está também fora do mercado porque ela está impregnada de serviços (deste a manutenção à restauração) que são desenvolvidas por entidades privadas. Não está também fora do mercado quando ela desenvolve propostas formativas que tentam integrar os alunos nos sectores produtivos, desenvolvendo novos cursos que se adaptem ao próprio desenvolvimento do tecido produtivo de uma determinada área. Não está, por fim, fora do mercado, quando a viabilidade da escola pública enquanto projecto pedagógico depende da sua (in) capacidade de adaptar os que forma às exigências da sociedade onde está. Poderemos dizer que ela está fora do mercado quando os seus professores têm um desempenho exclusivo, mas mesmo isso sabemos que isso não é uma condição absoluta, já que muitos professores são-no também no ensino privado. Os próprios modelos de gestão escolar se aproximam de modelos mistos de gestão.
Um outro aspecto: se é verdade que a escola pública cresceu desmesuradamente e que a formação de professores não consegue dar resposta às necessidades de procura da escola pública, também é verdade que nestes últimos trinta e cinco anos muito se fez no domínio da formação de professores, e nalguns casos por entidades privadas. O sistema de formação e especialização pedagógica - embora enferme, na sua componente de valorização curricular autónoma, daquelas situações que Desidério Murcho parodiava, dizendo que neste quadro uma formação em junquilho e berlinde podia apetrechar profissionalmente um professor de lingua inglesa - também se aperfeiçoou.
Há muitos e grandes problemas na escola pública e nos últimos dias tenho encontrado alguns textos - como este do Eduardo - que tentam reflectir de uma forma mais estruturada sobre o que está em causa, tentando distanciar os problemas de uma visão maniqueísta que nos é oferecida pelo problema político que surge do forte antagonismo entre os sindicatos de professores e o governo, ambos nada preocupados em dialogar uns com os outros, apenas mais empenhados em fazerem-nos acreditar que estão fortemente embuídos de uma disponibilidade para a negociação.
Não estão. O Governo não actua como honestidade quando faz querer que está disposto a negociar tudo e quando depois deixa escapar a informação de que não vai alterar nada. Muito menos honestidade se lhe encontra quando diz que quer avaliar os professores, quando demonstra estar preocupado, fundamentalmente, com os ratios de sucesso escolar e de sustentabilidade financeira. Para uma formação cada vez menos exigente o Ministério não precisa de melhores professores. Pelo contrário. O Ministério não é honesto com os seus empregados quando não percebe que, em primeiro lugar, deveria entender a avaliação como um direito dos seus trabalhadores, não como um cutelo com que, ridiculamente, os tenta sangrar. Mas este é o Ministério que se conforma com a ideia de que tem os seus professores contra ele. Nem os sindicatos são honestos quando dizem que querem a avaliação. Não são honestos com o Governo, nem connosco e muito menos com muitos dos professores que não tolerando as incongruências deste modelo de avaliação querem realmente ser avaliados porque sabem que esta avaliação de desempenho é um direito fundamental que têm. Os sindicatos estão reféns daqueles professores que não querem ser avaliados e os professores que querem ser avaliados estão reféns dos sindicatos. Já ninguém suporta Maria de Lurdes Rodrigues mas também igualmente insuportável é Mário Nogueira.
Estamos todos reféns. O partido socialista está refém do Governo, de Sócrates e de Maria de Lurdes Rodrigues. E estes reféns de uma ideia de autoridade e de firmeza política que não é só uma ideia, é também um balão cheio de ar. Eu creio que a teimosia política do Governo começou por ser feitio e irá acabar por ser defeito. Lamento. Não me esqueço que o povo, de quatro em quatro anos, governa este país.
2 comentários:
Caro Joaquim: obrigada, pois mais vale sair do atoleiro das inflamações proclamatórias que, pela parte que toca, já não me aquentam nem me arefentam. Vou responder-te daqui a uns tempos que agora não tenho tempo para acrescentar nada de substancial à discussão sem corre o sério risco de cair no lugar comum. Com um abraço.
Nem calculas como gostei de ler este teu texto tão lucido...
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