António Pocinho, Os pés frios dentro da cabeça (Fenda, 1999)
(copy do blogue da Sarah. Se o realismo, quer dizer, se essa exorbitância do real mandasse nas nossas vidas, eu olharia a foto e diria que tinha a certeza de termos partilhado este mesmo olhar sobre o rio. Não manda. O real não manda quase nada hoje em dia. Ainda bem. Se não confundíamos tudo. As coisas não são as mesmas quando olhadas por um poeta. )
sexta-feira, agosto 13, 2010
António Pocinho (1958-2010)
em caso de fogo
Em caso de fogo, a primeira coisa que se deve fazer é perder a cabeça. O pior inimigo do fogo é a cabeça. Começa-se por querer sair dali a qualquer preço, não olhar a nada, esquecer tudo, desaparecer, mesmo que seja para o interior de si próprio, onde por sinal há muito mais fogos do que no litoral.
Cento e trinta e cinco por cento das vítimas do fogo são homens. O restante são mulheres e crianças e nenhuma delas abandonou a cabeça. Embora nenhuma vítima tenha sequer tido tempo para pensar que poderia estar noutro local, como no interior ou no litoral de si próprio, todas foram encontradas agarradas às coisas mais incontroláveis, como uma beata, uma bóia ou uma recordação.
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