sexta-feira, março 25, 2011
Amanhã a politica será outra coisa
"Amanhã a política será outra coisa", disse Maurice Clavel há mais de trinta anos ao Jornal Novo. Nunca me esqueci dessa frase, guardei-a comigo, pensei, um dia digo, hoje, hoje a política "será" outra coisa. Esse dia está a chegar.
Durante anos vituperámos o comodismo, a forma apolítica como vivíamos. E agora que a política chegou às nossas vidas agitamos medos como fantasmas interiores. Não concordo com muitas das reivindicações do chamado protesto da geração à rasca. Nem concordo aliás com a ideia de reivindicarmos alguma coisa que não seja a necessidade de sermos melhor enquanto governados e de termos melhores governantes.
Mas revejo-me - e é isso que me faz dizer essa coisa extraordinária de que Cavaco foi oportuno (mesmo se oportunista e igual a si mesmo) - naqueles que acham que temos de olhar para a frente com olhos novos. Sou muito crítico em relação à forma como vivemos. Tanto aqui como no mundo. Há muito tempo. Não podemos aceitar a exploração da precariedade ( e eu que aceito todas as formas de precariedade inclusive essa bastarda, a morte, não a minha, que não a conheço senão na sua forma mais cruel e tortuosa, a daqueles que amo) e não podemos aceitar que se ache muito normal e contemporâneo haver quem não tem onde dormir, comer, foder, trabalhar e haver tipos que têm milhões de euros anuais de tenças do Reino, eu disse, do Reino, e que tudo isso seja muito justificado por um paradigma vitorioso qualquer que por acaso só se esquece de explicar a sua humanidade. Não podemos aceitar que a Cultura, que é esse lugar imenso onde instituímos o outro em nós seja tida com uma desresponsabilização constante e permanente. E não falo apenas das políticas oficiais da Cultura, o que já não seria pouco.
Falo de uma coisa mais séria, mais grave, que andamos muitas vezes a evitar perceber: é na dimensão cultural que encontraremos capacidade de perceber que se fizermos as mesmas coisas nas novas oportunidades que todos os dias temos, não estamos a fazer coisas novas mas apenas, coisas velhas feitas de novo. E que não vale a pena acharmos que somos gigantes governados por pigmeus. A cultura é esse lugar imenso e multiplicador onde somos capazes de duas proezas: a de compreendermos que não é uma derrota aceitar e integrar a diferença do outro, nem uma tragédia pessoal olharmos para dentro de nós e assumirmos que temos que mudar a nossa vida. Eu disse duas? Deveria ter falado na terceira: fazer dessas duas epopeias uma festa.
Pertenço também, como muitos, a um lugar, o teatro, que não existindo verdadeiramente, também não é um espaço imaginário. É um espaço de pessoas reais instaladas em pessoas imaginárias. É uma fábrica de mundos onde a intensidade pode decorrer tanto das nossas palavras como daquilo que fazemos mas em que ambas, palavras e acções decorrem inquestionavelmente da nossa presença. É preciso estar lá e estar lá com as pessoas. Depois de amanhã talvez me chegue aqui e escreva algo mais dissonante. A minha presença pode vir a ser manipulada. É sempre assim. Mas não é a nossa presença. Aprendemos noutros tempos, quando os mortos votavam, que a nossa ausência também pode ser extrapolada, manipulável. Exercício fodido isto de um vivo no meio de vivos. Não me importo. Importar-me-ia mais se não tivesse esta possibilidade de vir aqui lavar a alma de novo. Há. Há sempre uma nova possibilidade.
[Texto publicado originalmente no Facebook]
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