Estava na paragem do 58 no Cais do Sodré. Faltavam dois minutos para o autocarro passar. Via-se ao fundo quando a sua voz me agarrou. Apeteceu-me que dois minutos demorassem a passar. Sou um coscuvilheiro intermitente. Ela era negra, já com uns anos no lombo, os pés maltratados, as unhas partidas.
- Fizeram-lhe tanto mal e agora...Agora só sabem dizer que ele era um santo...
Percebi que falava no Mandela. Falava muito rapidamente, as palavras atropelavam-se a expressões, a interjeições, a sua interlocutora conhecia-a bem, presumi.
- Ele era superior a eles todos.
Quinze horas. Numa cidade europeia, uma capital de um pequeno país intervencionado, o uma mulher negra, rosto sofrido, corpo amachucado, senta-se no banco e começa a falar de Mandela como se fosse a coisa mais importante da sua vida.
Não falou de Cavaco, disse estes cabrões, mas disse-o como quem pragueja e não se detêm muito tempo a figurar o demónio, falou apenas em Mandela.
- Era tal e qual o meu pai. Lembras-te o que ele me dizia? Vai à frente, não olhes para trás, eu se deus quiser vou-te arranjar o caminho, tirar-te umas pedras , as que puder, de um modo um pouco melhor do que aquele que eu tive. Era assim o Mandela. Por causa dele estamos todos melhores.
E depois começa a falar de um canalha que se meteu na sua vida. Ao principio não o era. Vestiu-o até de fraque, o fraque dos patrões, disse, casou com ele, fez-lhe filhos.
- Ele era mau. E quis levar as melhores coisas com ele, deixou os filhos sem nada, foi-se entreter com ela.Mas quando foi para morrer veio ter a minha casa. Ainda tive de o enterrar. O meu pai sempre me disse que ele não prestava. O meu pai via as coisas mais ao fundo. Era como o Mandela. Homens como ele nunca morrem, só se a gente deixar.
- Era tal e qual o meu pai. Lembras-te o que ele me dizia? Vai à frente, não olhes para trás, eu se deus quiser vou-te arranjar o caminho, tirar-te umas pedras , as que puder, de um modo um pouco melhor do que aquele que eu tive. Era assim o Mandela. Por causa dele estamos todos melhores.
E depois começa a falar de um canalha que se meteu na sua vida. Ao principio não o era. Vestiu-o até de fraque, o fraque dos patrões, disse, casou com ele, fez-lhe filhos.
- Ele era mau. E quis levar as melhores coisas com ele, deixou os filhos sem nada, foi-se entreter com ela.Mas quando foi para morrer veio ter a minha casa. Ainda tive de o enterrar. O meu pai sempre me disse que ele não prestava. O meu pai via as coisas mais ao fundo. Era como o Mandela. Homens como ele nunca morrem, só se a gente deixar.
2 comentários:
FOGO!!!
é tudo demasiado realista....e dura realidade esta.
Não se dá VOZ a gente sofrida e tão sábia pela experiencia da vida...pena!
Bjos
Finalmente o regresso ao blogue? Será desta?
Seria bom!
~CC~
PS. No outro dia, por mero acaso, conheci o teu amigo Apicultor.
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