domingo, julho 27, 2003

No outro dia escrevi aqui que

este blog não é para ser escrito, é para ser lido. aliás, o que escrevi antes tinha sido, "os blogs não são para serem lidos, sim para serem escritos". mas reformulei, as palavras, as minhas também, inadvertidamente podem deixar cair um sanha modeladora que nem mesmo inadvertidamente, principalmente as minhas, devem ter. [ na altura o Cruzes Canhoto, respondendo a um convite meu, veio até cá e mandou-me um email de boas vindas, dizendo que não sabia se era bem assim, que ia pensar melhor. eu não me apetecia entrar em polémica, até porque não tinha por onde, partilho simultaneamente do seu ponto de vista, mas prometi a mim mesmo voltar ao assunto. o que hoje aconteceu.] 1. tenho quarenta anos (mais um, mas não precisamos de ser assim tão picuinhas). não sabendo medir em porcentos o existir sei no entanto que grande parte da minha vida foi feita no reconhecimento da necessidade de comunicar. na comunicação aplicada. no palco. na rua, nas casas, nos bairros. na sala de aulas. nos jornais. na escrita dramática. nas outras escritas. em encontros. ou desencontros.... na criação de sites ou páginas web. até em experiências televisivas ou radiofónicas. nos estudos academicos. 2. não tenho volta a dar-lhe, faz parte de mim. nem que corra o risco da tagarelice, lutarei sempre, contra aquele silêncio queimado nas pontas. 3. diz-me, é o meu username, o meu minimo modo de ser, tão concreto e defenível quanto a impressão digital que trago nos dedos. comunicar, nicar em comum a vida, é uma das minhas primeiras frases feitas. abnomino as zonas de trânsito proibido na e entre a linguagem. tudo pode e deve ser proferido. [é certo que eu sempre tive uma razão especial para abjurar violentamente o segredo. o não dito. tinha coabitado mais de duas dezenas de anos com um, mediando a minha relação com o meu pai.] 4. por mais que o resultado da aventura de alguns de nós – e eu estarei quase sempre neste grupo - no território da expressão seja a extensão, a verdade é que a condição que a realiza é a tensão. assim sendo, a minha inscrição no terreno da comunicação, não pode ambicionar relatar mais do que uma intenção. 5. é que, por vezes, um extensivo rol de palavras sobre a folha de papel, parece ter-nos o condão de fazer-nos esquecer que antes desta usurpação, deste prolixo preenchimento, a folha se quedou em branco. e que essa condição em branco, permanece encrustada na folha usurpada ou se quisermos, preenchida. [ na idade da minha infância, em Mafra - e os lugares de onde viemos são, na nova galáxia onde chegámos, lugares em extinção – tinha um clube de detectives inspirados nas várias sagas de Enid Blyton, que usavam uma escrita com sumo de limão, que, depois de passar pelo ferver do ferro, denunciava a escrita que habitava na folha em branco. eu sei, éramos crianças, mas já nessa altura sabíamos com clareza que a folha e a escrita eram duas realidades diversas, coabitantes] 6. o que eu quero dizer é que no escrever está incrustado o gesto de não escrever. De não usurpar a folha, ou, se não quisermos levar o romantismo tão a peito, de a preencher. De a ocupar. E aí, libertámo-nos do romantismo mas temos de confrontar-nos com a condição política, a reacender a discussão sobre a natureza do gesto que habita a folha. [o fazer em teatro conhece bem esta realização em tensão. o vazio do palco resiste mais facilmente à ideia de ocupação do que uma folha em branco, que, até podemos dobrar e meter no bolso. rasgar. amachucar.] 7. Exprimirmo-nos e Comunicar-mos não são, para mim, exactamente a mesma coisa. Não posso exprimir-me sem comunicar. Nem comunicar sem me exprimir, decerto. Mas tudo depende do acento. Ou da acentuação. [ sempre me deliciei com esta ideia de que o acento tonifica um determinado sentido da palavra, levando-a por aqui ou acoli, conforme a nossa orientação acentuadora] Quando comunicamos, procuramos o menor denominador comum do entendimento. Quando nos exprimimos, assumimos a possibilidade do incomum, do maior denominador do desentendimento, vulgo modo, a solidão. E não é somente a solidão de não estares aqui quanto te olho ou de ti preciso. Haveria sempre mil formas imaginárias de te trazer à minha presença. Falamos da solidão sem freio, a que assume o risco de, na sua incessante procura identitária, se ausentar do próprio labirinto do eu que a promove. [Por falar nesta ausência. Dizia-me no outro dia alguém que se um tipo assumir a interrogação até às últimas consequências está a comprar uma rifa para o sorteio da loucura. Talvez. Esse é o medo que nos assalta. Mas também respondi ao outro, na folha de rastreio do guichet do hospício há uma lista de talvezes e alguéns que estão ali exactamente por isso, por não terem levado a interrogação até às últimas consequências. O medo da loucura também pode levar ao enlouquecimento] 8. Quando avançamos pelo território da comunicação, corremos o risco, não suficientemente calculado, de que, de denominador comum em denominador comum, atinjamos o ponto zero da linguagem. Pensamos muitas vezes que o ponto zero da linguagem é o sítio onde nada dizemos. Mas não é. O ponto zero da linguagem é o local onde os enunciados perdem a sua dimensão ética e, numa concubinagem exaltada, se libertam da referencialidade . O que, quer dizer, da cartografia. Da localização. Enunciados de ninguém, de nenhures, de todos, em todos os lugares. 9.Quando desbravamos os campos rudes da expressão, da expressão que tensiona a nossa existência, arriscamo-nos a perder-nos no labirinto do devir identitário, risco muitas vezes sobreavaliado pelo facto de percorrermos esse caminho pelas ruas esconsas e mal iluminadas de uma solidão forçada. [Há luz na sala lá ao fundo, a minha mulher e o meu filho estão sentados no sofá, brincam, e eu aqui, escrevo, ela diz que aquilo a que eu chamo escritório é um lugar no de lá daquilo a que, comummente, chamamos nossa casa. Onde não se aplica a máxima da comunicação,” a tua casa fica à mesma distância da tua que a minha da tua”. Daqui à sala são cinco passos curtos, à distância de um olhar, fio de linha que une três continentes anões, mas da sala aqui é são uns tantos milhares de anos-escuridão.] Mas um dia encontramo-nos no de lá da linguagem, da loucura, da viagem. Alguém nos trouxe ao território denso da partilha, da festa que nisto houver, através da mão delicada e domesticável de um livro, de um palco, de uma tela...de um blog. [E a linguagem do mundo nesse instante adiciona-se com o colorido do local, da referência. Eu estive em Artaud, e trouxe esta frase, vês? Olha, eu e a Esmeralda nestas férias fomos a Gaughin, fica tão bem neste cantinho da sala, não fica?] 10. Na acentuação entre expressão e comunicação, há um diferendo que, no mundo em que vivemos, assume uma dimensão ética. [Eu disse, diferendo. Não escrevi fronteira. Nem falei de ghetos. Mas já que falas disso, também te digo que criticamos mais facilmente a tralha umbiguista de um texto do que o lixo comunicacional gerado por todos aqueles que querem ser comunicação. Aqui não há apenas uma dimensão ética. Há também uma posição política. Escondida com o rabo de fora ou assumida. Uma posição política. Lembro-me de ouvir o João Mota dizer, naquela sala de trabalho da Comuna onde em 1981 adicionei alguma argamassa e uns tijolos decisivos à minha arquitectura de gente, “ O ético precede o estético”. E o político, acrescento agora.] 11. Há uma dimensão utópica da Blogosfera que me interessa explorar. Quando escrevi que criticamos mais facilmente a tralha umbigista do que o lixo comunicacional, estava, na minha cabeça, a isentar a Blogosfera desta atitude. Atribuindo-lhe um estatuto especial. Este: independentemente de nos ser difícil deixar de replicar uma atitude receptiva com que costumamos decifrar a realidade a que, com muito custo e quase nenhum sustento e proveito, vamos chamando real, o que é facto é que esta dupla condição de editores/receptores, nos coloca num plano de uma maior delicadeza e simpatia com a expressão de cada um. E isso é ocasião para nos surpreendermos muitas vezes por encontrarmos uma maior produção de empatia, de troca comunicacional em lugares que recusam veementemente atribuir-nos um estatuto de destinatários dos enunciados ali produzidos. E o contrário. 12. Há uma dimensão tecnológica que não pode ser esquecida. O meu suporte de comunicação dá primazia ao post. Ao escrito. Claro que me permite o “view blog”. O lido. Estou-lhe reconhecido por isso mas o obrigar-me a sair do momento em que escrevo para ler é uma mensagem tecnológica que escuto atentamente. O contrário se passa com a Blogosfera, como acentuou no outro dia um Reflexo de Azul, propondo que o verdadeiro blog permitiria a escrita do leitor. Aí tudo esta dimensionado para a leitura. A interactividade possível obriga-me a sair do Blog. A blogosfera suportanto a escrita, é para ser lida. 13. Este movimento de vaivém entre a expressão e a comunicação, é refrescante, mesmo para alguém que se assume um comunicador. "Chegou a hora de ir cada um à casa de cada um...", escreveu Raul de Carvalho em "um e o mesmo livro". A Blogosfera responde ao apelo do poeta, dando-nos essa possibilidade. A comunicação segue dentro de momentos. Talvez alguém possa passar por aqui e assinalar que foi com este instante de não comunicação que sentiu a sua maior empatia. Ficarei-lhe eternamente grato por isso mas continuarei, sempre que escrevo aqui a gritar para o inconsciente do meu gesto escrevente: "Desande. Xô! Um blog não é para ser lido, é para ser escrito". [ está decifrado o meu anterior blog em que parecia ter uma atitude provocatória com o leitor que por aqui passasse. era com o leitor que tenho dentro de mim que eu falava. o que me permitiu a intimidade no trato] 14. Daí que seja tão natural para mim reconhecer que este blog não é para ser lido, é para ser escrito, sem pressupor daí que a minha existência no Ciber Espaço, ou mesmo na Blogosfera, esteja condicionada por este facto. Sem dúvida que não penso o mesmo de Metablogue ou até do Livro em Branco. Ou do site da Escrita Teatral. Este é o lugar onde...

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