segunda-feira, julho 28, 2003

a face oculta da cultura e da arte...

desço a encosta do castelo de palmela onde o Bando celebrou Pino de Verão ( é o termo, as representações do Bando aproximam-se cada vez mais da liturgia, uma liturgia popular, ritual de comunhão que devolve ao teatro a conjugação da partilha com a espectacularidade, a ocupação do olhar), segurando na mão a monografia sobre os vinte e cinco anos do Bando. comprei-a porque sim, porque a compraria sempre. mas também porque não, porque não existe outra forma de garantir a memória, de salvaguardar o traço a grosso que a experiência colectiva de tantos imprimiu na experiência teatral dos últimos vinte e cinco anos. acredito que para muitos isso não seja relevante. mas para mim é. a voz autorizada do grupo falando de si, construíndo o registo que auxiliará a história do teatro a poder incluir no seu discurso esta teimosia e resistência de projecto, não deveria ser o único elemento que eu, enquanto cidadão tenho disponí­vel. o Bando cumpriu o seu dever. e quem diz o Bando diz a Comuna. a Cornucópia (os que agora, de memória, me ocorrem, entre outros que apresentam monografias sobre os seus percursos). mas há alguém que a esse mesmo dever se furtou. se furta. e eu não compreendo isso. independentemente da orientação de natureza polí­tica que cada um de nós imprime ao seu trabalho de reconstituição do passado, todos nós temos por adquirido que só uma cultura que perserva os materiais que o reconstituem, pode ambicionar a sua persistência, a sua sobrevivência, e, mais do que isso, a sua existência. não se trata só de teatro, decerto, mas se cada um falar das realidades que melhor conhece, talvez o puzzle se complete. nem se trata de uma peleja polí­tica porque está provado à saciedade que quase toda a governação cultural, à esquerda e à  direita, tem dado pouca importância a este aspecto. [exceptuo apenas manuel maria carrilho, mas em relação a esse há que lembrar que foi, por parte do próprio partido que sustentava o governo que integrou, um dos mais mal amados governantes, o que quer dizer muito sobre a identificação que os socialistas fizeram com a sua politica cultural) Algumas iniciativas têm sido feitas. Água mole em pedra dura, vitor pavão dos santos conseguiu arrancar a ferros a existência do museu do teatro. mas nem ele nem agora josé carlos alvarez conseguem o que ainda parece ser tarefa impossí­vel: fazer atribuir a este projecto os meios e os recursos necessários à missão de quem se propôs intervir numa das áreas mais neglicenciadas da acção pública no domínio da cultura e. específicamente, do teatro português. Também o Observatório das Actividades Culturais. Que adiciona uma componente prospectiva a um trabalho analítico que implica a constituição de um "corpus" consistente e fidedigno sobre as múltiplas vertentes do trabalho cultural, e também, necessariamente, do teatro. Também ele carece de meios e recursos para fazer recuperar a actividade cultural do atraso a que sempre esteve sujeita. Enquanto a memória e a investigação e reflexão - que são transversais às diferentes concepções de Estado e de Sociedade inerentes aos diversos projectos políticoss que têm governado Portugal - não merecerem uma atenção continua, mesmo que com modelações de orientação decorrentes das ciclícas alterações polítcas, é dificil assumir que a recorrência da dramatização do tema do subsí­dio, não seja um muito conveniente véu que esconde a real incompetência/incapacidade pública de formular claramente a sua missão no campo do desenvolvimento da actividade teatral.

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