sexta-feira, outubro 24, 2003

O tempo que isto é - O Personagem-Brinquedo I

Antes de começar o trabalho, a preparação. O porquê, o quando, o onde, o quê, pequeno lead que me ajuda a instalar este trajecto em mim, desinstalando a rotina . Começo sempre por aqui, todos os anos, já vão onze. Quatrocentas e tal personagens criadas pelos participantes nesta aventura (para quê chamar-lhe aulas?!). Quatrocentas e tal horas de navegação, nem sempre tranquila. Quatrocentas e tal horas?! Achas muito? Não chegam a vinte dias, desde a primeira à última, a 24ª hora. Em onze anos, vinte dias inteiros será assim tanto?. É, penso eu. Nunca multipliquei o tempo assim. Para mim uma hora com vinte pessoas não é exactamente uma hora. São vinte e uma horas. E isso é o tempo real. O meu tempo real, claro. Porque nestes raros momentos em que nos encontramos nesta solidão partilhada, começa, em diferentes ritmos e cadências, a chegar todo o tempo que vivemos na nossa vida. E se a coisa for feita com aquela sinceridade com que se persegue, esses anos estão lá todos, tensos e intensos, em cada momento. Começamos então a perceber o milagre da multiplicação. Numa hora estarão então, pelo menos ( a média de idades ronda os vinte e dois) quinhentos e tal anos vividos. Falo dos anos vividos, sim. Daqueles que são revestidos a pele e osso. Agora, quando a estas já de si multiplicadas horas, acorrem os tempos de cada uma das personagens ( e muitas delas terão entre os cinquenta e os setenta anos, não só o meu personagem, o Prof. Pardal, é um velhote, como a geriatria é uma das experiências de estágio anteriores e eu sinto que eles aproveitam este momento, de um outro modo, reflectirem sobre essa experiência) entramos no domínio do incontável. Num mesmo espaço que não terá mais de 10m x10m concentram-se mais de mil anos, e isso será sempre uma forma, mesmo que precária, de eternidade. [ aliás esta manifestação de um tempo dentro de nós sempre me intrigou para além dos limites do meu próprio conhecimento. um dia destes pergunto à filipa o que é que ela descobriu sobre isso quando andou à procura daquele que. afinal, era o seu corpo. ou então ganho coragem e mando um email à sofia a perguntar-lhe se quando se esquartinha o corpo em algum momento se se lhe toca no tempo, não na duração da pele, do osso, vísceras inclusas, para esses o carbono 14 talvez desfaça todas as dúvidas, mas haverá alguma técnica para dominar estoutro tempo, ou ele simplesmente, tudo o que sonhámos, amámos, pensámos, deixa de existir, assim, só isso, como dizia um poeta, nós pif-paf-puf...?]

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