quinta-feira, novembro 13, 2003
Homenagem ao Caracol...
"um ca'acol...", diz ele. Queres colo? Tu deves estar doido, Pedro! " é um ca'acol, 'ai!, insiste ele, obrigando-me a parar. Um, outro, mais outro, é este tempo húmido. Agacho-me. Ele também. Vamos 'er...não pudemos fazer 'a'ulho...se'ão 'onde-se ...No outro dia estivemos a provocar um, tocando-lhe com um pequeno pau de fósforo, fazendo-o encolher as antenas e escapulir-se perante a casca. Trazemos um para scanear, para tirar uma "otugafia".
E de repente lembro-me do Sam. Não é obsessão minha, mas quando o conheci, já lá vão uns vinte e cinco anos, ele estava a fazer um tratamento de acunpunctura para deixar de fumar. Tinha um atelier nos Olivais Sul, ao pé do Café do Tó e nós, eu, o zé, a gaby, a ana, a romy e o fernando tinhamos ido entrevistá-lo para um jornal que queríamos fazer depois de termos tido aulas de jornalismo com o Afonso Praça. Naquela altura eu era um sonhador invertebrado, só vinha ao lado de cá para as despesas do quotidiano e do corpo, o resto era tudo fervor na arte, nos artistas, no espirito boémio, na liberdade, na imprevisibilidade. Tinha aliás sido eu a sugerir a entrevista ao Sam, depois de ver uma outra entrevista que lhe tinha sido feita na televisão e em que ele, falava-se da pobreza, da injustiça, de um forma discreta, chorara. Além disso Sam tinha um Museu com estranhos objectos, com cadeiras e uma mesa gigantes, uma bosta de boi e uma cadeira que era um plano inclinado e que era a cadeira do poder. Sam estava também a escrever um livro, ainda não tinha titulo. No último dia deixei-lhe ficar um texto escrito na minha Princess, a máquina de escrever que herdara do meu pai, chama-se o texto "O Caracol".
Esse texto seria decerto intraduzível para o meu linguarejar dos dias de hoje. Deveria ser uma elegia ao nomadismo, ao aventureiro espirito do artista, acho que falava em Gaughin (tinha lido recentemete Um gosto e Seis Vinténs de Somerset Maughan). A coisa passou por aí, ainda fui mantendo uma conversa regular com Sam, ele chegou aliás a assistir à minha estreia como colaborador do DN Jovem, foi no seu jornal que muitas vezes li este suplemento. O mais engraçado é que uns anos mais tarde, já ele tinha morrido, ao procurar entre os livros de um alfarrabista ali da Praça do Comércio encontro o seu livro, agora já com titulo: "Homenagem ao Caracol e outros Textos".
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