quinta-feira, dezembro 25, 2003
Cordeiro de Deus
Nem o António Manuel Venda com a sua história "o pequeno construtor de searas", me conseguiu desempedernir o pensamento. Poderemos um dia reflectir sobre este carrocel incessante que nos leva do Colombo ao Vasco da Gama mas isso não vai adiantar nada a este "és pedra e em pedra te hás-de tornar" a que condenei a minha massa cinzenta. Aliás, a propósito do Colombo e do Vasco da Gama, deveria haver uma lei que proibisse um cabresto, mesmo um cabresto com muito poder, criador de muita riqueza, empregos, prosperidade para si, para os seus e para os dos outros a quem tomou como seus, que pudesse atribuir para uma das suas megacatedrais o nome dos nossos maiores descobridores, independentemente destes - e não foi por terem trabalhado com o cabrestante - serem também grandecíssemos e ilustríssimos cabrestos.
Hoje tal como o Guardador de Rebanhos, que me acudiu à lembradura quando olhava, pelo canto do olho, um porquinho chamado Babe, também tive uma visão como uma fotografia. Vi não o menino Jesus descer à terra, mas o homem descer ao mais profundo do seu inferno. Não me perguntem como, nem porquê. Apenas a sensação muito clara de que não é connosco que a humana condição se safa. E por mais estranho que pareça, eu estava perfeitamente enquadrado com a quadra natalícia. Mas tive a sensação muito clara, precisa e nítida de que nós seremos carne para canhão no carrocel do tempo. Que nós só estamos cá para empatar, para não ir a jogo, para fazermos de conta. E não estamos, nada nos pode dizer que sim, na infância do mundo. Pelo contrário. Aproximamo-nos da velhice. O mundo está velhor, surdo e doente. Os pacotes de cigarros deveriam ser prioritariamente dirigidos ao pack " modo como (des) vivemos, como nos (des) organizamos, destruimos".
Há algo impressionante em tudo o que construímos. Temos sempre o nosso corpo como referência. Às estradas chamamos artérias. E circulamos por elas velozmente, tal como o sangue circula no nosso corpo. Às edificações, sejam casas, hospitais, centros comerciais, fazemo-los sempre com um lado de dentro e um lado de fora. E assim retomamos e habitamos o interior/exterior que desgoverna a nossa existência. Quando estamos dentro das casas dizemos, "estamos dentro", o que é verdade mas não é a única verdade. Estaremos dentro da casa mas a casa já é por si mesma, no fora de nós. Não é, claro, a única coisa em que não somos exactos. Nem me entusiasma fazer um sermão sobre a humana desumanidade. Aliás, por o assunto ser tão desinteressante é que eu me vou embora agorinha mesmo....
(...voltei só para buscar o chapéu e ao olhar pra vocês aí mais uma vez tive a sensação muito clara de que não é connosco que a humanidade se safa.)
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