quinta-feira, dezembro 11, 2003
A Dona Árvore e o Pássaro das Altas Altitudes
"Era uma vez uma árvore tão alta, tão alta que os seus cabelos tocavam nas estrelas. Crescera sem dar por isso, a curiosidade esticara-lhe o pescoço mais um bocadinho, e mais outro bocadinho, e de repente já estava com o alto do cucurruto a tocar na abóboda celeste. Só que como não conseguia ouvir as pessoas e os animais lá embaixo, começou a sofrer de uma solidão tão grande como o seu descomunal tamanho. As suas lágrimas escorriam pelo tronco abaixo e criaram primeiro um fiozinho de água, depois uma poça e finalmente um regato.
Foi nesse regato que o pássaro das altas altitudes reparou quando andava lá em cima, entretido com as suas acrobacias e piruetas. Abeirou-se dele para matar a sede mas aquele sabor salgado intrigou-o. Seguiu o rasto do fio de água e chegou lá acima à nascente, quer dizer, ao rosto da árvore.
- Dona Árvore, porque é que está a chorar?
- Porque cresci tanto, tanto, que agora não tenho ninguém para falar. Ouço as pessoas e os animais a falarem lá embaixo mas como não as consigo ouvir nem me atrevo a meter-me na conversa.
O Pássaro das Altas Altitudes fez um voo picado em direcção à base da árvore e regressou passado um instante.
- Já tenho a solução para o teu problema. Vou ficar aqui sentado nos teus ramos e sempre que alguém se aproximar e falar contigo, eu vou lá abaixo num instante e zás, agarro nas palavras e trago-as aqui antes mesmo de elas de desfazerem em ar. E quando tu falares, farei o mesmo.
E assim foi. O Pássaro das Altas Altitudes andava numa roda viva e aproveitava ao mesmo tempo para aperfeiçoar as suas incríveis acrobacias aéreas. A Dona Árvore nunca mais chorou, quer dizer, nunca mais chorou assim convulsamente, a partir daí só chorava às vezes, quando estava muito triste, como acontece com todos nós."
[versão curta de uma história que inventei no outro dia para o Pedro e que, em dias em que o sono se nega é revista e aumentada]
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