quarta-feira, dezembro 03, 2003
Ou se calhar, apenas com este bolsar...(Bolsas de Criação Artistica 6)
A razão pela qual eu penso que Adrianne Rich, através da mão de Margarida Vale de Gato, responde com mais inteligência e propriedade a todo este recitativo putativo bolsativo é que a questão central no apoio do Estado em relação à criação artística (que pode ser dado em cheques-viagem, dicionários de bolso da Europa-América, sopas instantâneas, senhas de abastecimento na mercearia-padaria-frutaria-talho e peixaria do srº António, descontos e feira de reclames com os seus livros para que se vendam mais, em suma, que pode revestir todas as formas que se venham a mostrar eficientes para a concretização do apoio segundo os seus objectivos)
não é se fulano é subsidio dependente e em vez de ir ali para o Regueirão dos Anjos dar na heroa vai para o Palácio da Ajuda ou para a Conselheiro Fernando de Sousa snifar apoios à criação, não é se beltrano é um incapaz e um tipo que só sabe escrever seis letrinhas apenas e todas elas na assinatura do pedido de subsidio para mais uma obra prima, tia, cunhada,
é se queremos que o Estado cuide que aquele que lê o poema antes de fechar o escritório, num último assomo à vida que se lhe escapa entre os dedos, ou que aquele que lê o poema de pé numa livraria longe do oceano, ou que aquele que lê o poema no quarto onde vive e onde o insuportável já aconteceu, ou o que lê o poema enquanto o metropolitano abranda, numa sala de espera, a uma luz florescente, com a vista cansada, patrulhando o fogão onde o leite do biberão aquece, aquele que lê o poema que nem da sua lingua é, possa efectivamente ter o poema que merece ou seja, o poema que seja mais do que as luzes daquele escritório apagando-se repetida e monotonamente, ou que seja a invocação daquele oceano de que a nossa vida carece, que o poema torne um pouco mais suportável este desvanecer-se lenta e calculadamente.
Tudo é possivel depois modificar. Critérios, metodologias, programas, objectivos. Tudo. Nada é possivel fazer, senão este horrivel dançar de pop-chula quando não se percebeu o que é que estamos de facto a fazer quando queremos que o Estado não tenha nenhum papel na promoção da actividade cultural e artística.
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