segunda-feira, dezembro 22, 2003
Tertúlia dos Arcos de Campolide
O CAM atraiu-me a uma emboscada. Fui pedir-lhe um daqueles favores informáticos em que ele é perito e como a coisa se demorasse, estavámos em cima da hora do jantar, comecou a dizer que tinha muita fome, se eu também ía jantar, que se não fosse levava um livro, se eu fosse não, é comprensível. Tudo foi tão natural que eu não dei por nada, claro. Vamos ali que é o único sitio aberto, já lá dentro vamos para acoli que se está melhor e não é que fui dar exactamente à mesa de uma excelentíssima e cheia de qualidades mesa de poetas, a Tertúlia dos Arcos de Campolide, assim a baptizei eu apressadamente, ao meu lado o Manuel de Freitas, à minha frente o Carlos Alberto, na diagonal a Inês, também da Averno. E de repente sou atraído a um tertúlia regular, muito ali da alta de Campolide, com as suas referências de bairro, os seus personagens picarescos e castiços, os lugares devotos, em que, à medida que o arroz de marisco desce na caçarola e o branco fresco se evapora nas "botelhas", os meus alegres comensais se atiram à poesia com unhas e dentes. Os quase vinte anos que separam Carlos Alberto Machado e Manuel de Freitas não são nada, um diz mata o outro, esfola. Poetas, escritores, escreventes, escrevinhadores, escriturários, cronistas, croniqueiros, são corridos a varapau da casa das letras, todo um magote correndo esbaforido diante da determinação deste vates. E quando tento salvar um ou outro nome da enxurrada - a Inês, tertuliante mais moderada, ou mais piedosa, também me acode - mais os dois poetas se indignam e vituperam. Estão inspirados, vê-se que têm esta conversa na ponta da língua, sabem de cor os nomes do degredo e do exilio da santa casa da literatura. Nada a fazer. Ainda prometo desforra, aqui no respirar, mas nem isso, independentemente da raiva ou da fúria amarela, dos diferentes modos de nos entregarmos à procura da nossa santidade - e a poesia será sempre esse lavrar do santo que há, ou desce, em nós- não sei se foi do arroz, do vinho, do bairrismo, da tertúlia, ou simplesmente desta alegria de conviver com poetas, desforrado estou.
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário