terça-feira, janeiro 27, 2004
Reencontros
Desço até ao Rossio, combinei com o meu primo um café para comemorarmos uma nova morada. Com uma vista deslumbrante (era assim que dizia o anúncio e depois de pagarmos, acabamos todos por ser anunciantes dos reclames que consumimos) sobre o dorso da cidade. E sobre o estuário do Tejo. Com binóculos poderei mesmo ver os Artistas Unidos em acção no Teatro Taborda. É neste estado de pré-exaltação que ali, na dobradinha da passagem de peões que dá acesso à Rua Augusta dou de caras com o Pedro. O Pedro do Triato do Beato, grupo com o qual tive uma grande proximidade, como aconteceu com todos os grupos criados em torno da Máscara Teatro de Grupo ( o designativo indica desde logo a filiação com a Comuna), projecto teatral nascido e morrido nos anos oitenta.
Passamos para o lado de lá. Dois dedos de conversa, digo-lhe que estou a trabalhar com o Pedro Alpiarça e o Teatro Mínimo, que o Pedro Wilson tem uma encenação com o Cénico de Direito na Guilherme Cossoul:
"- Onde é que estás?
O Pedro, rindo, com ar malandro, adivinhando o meu baque:
- Sou adjunto da Manuela Ferreira Leite.
- O quê? - Recuperei a tempo.- E está tudo a correr bem? - Que pergunta mais cretina. Ele percebeu a minha total insinceridade. O que eu queria dizer era, quando nós conseguirmos que a MFL dê um trambolhão monumental espero que sejas do que tenhas menos nódoas negras, ou qualquer coisa do género.
E lá nos afastámos sorrindo. Havia ali um fosso terrível. Não tem nada a ver com o facto de eu estar nas antípodas deste Governo. Sim com o facto de eu ter a consciência muito clara de que Manuela Ferreira Leite é, no que corresponde à sua prática política, uma calamidade pública, e não faço a coisa por menos. Só de pensar que o Pedro pode ter contribuido para aquela ideologia miserável que perspassa pelo programa deste governo, para a sua retórica destrutiva, gonçalvista, congela-me o sangue nas veias.
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