Madrid: Comunicado

"COMUNICADO A todos os amigos, colegas e ao público em geral que assiste aos nossos espectáculos, a ....... informa que em memória das quase duas centenas de falecidos e mais de um milhar de feridos no censurável e bárbaro atentado terrorista em Madrid, irá cancelar todos os espectáculos no próximo fim-de-semana, concretamente o espectáculo de ...... A ....... fará um luto de três dias, re-iniciando todas as suas actividades dia 15 de Fevereiro do presente ano. A direcção da .... já apresentou as suas condolências ao governo espanhol que certamente apresentará às familias das vítimas. Unidos e com prejuízo para todos nós, acreditamos poder assim combater estas aberrações à humanidade. " Acabo de receber este comunicado. Não interessa quem. Já basta que a minha caixa de correio não tenha filtro para a idiotia, não irei eu publicitá-la. Lembro-me de Susan Sontag dirigindo um espectáculo de teatro nas ruinas de Sarajevo. Do Bando reunindo gente para ir actuar na Bósnia. De João Ricardo e os seus Palhaços Sem Fronteiras. Lembro-me da arte, voz do sopro e da delícia, do sonho e da utopia, arrancando da face do deus-menino a máscara da besta, da idiotia, do animal escondido atrás dos teus ares de agiota, de mercenário, de filho da puta, lembro-me dela, voz canora e maviosa resistindo ao estampido das bombas, que se esbroa diante dos nossos olhos, e digo, comunico: hoje dançarei. É certo que o faço todas as noites, é certo que viver sem dizer aos meus pés vão, guiem-me, levem-me é como nem sequer existir, mas hoje bailarei de novo, novo, pela primeira vez. Em homenagem à morte horrorosa, milionária. E contra a estupidez do mundo e dos homens.