sexta-feira, março 05, 2004

Tratar da política

1. Um dos primeiros livros que comprei sobre política foi o Contrato Social de Jean Jacques Rousseau. Da mesma colecção, logo a seguir, adquiri o Tratado da Política de Aristóteles. Estas aquisições distavam sempre sete dias, altura em que no quaotidiano doméstico havia a distribuição da semanada, o primeiro salário das nossas vidas. Geralmente era sábado, sábado de manhã depois da minha mãe ir fazer as compras à praça, trazia sempre um maço de notas verde alface, era a partir daí que distribuia o bodo pelos pobres do seu reino. O João era o primeiro, depois eu e finalmente o Pedro. A Susana não entrava nestas contas. Não só era mais miúda como também tinha tudo o que quisesse porque acompanhava sempre a galinha-mãe. Eu agarrava no meu verdume e ía a correr esbaforido para a Belazé ou, consoante o estado do espólio desta, para a D. Isaura, lá embaixo, ao pé da Piscina dos Olivais. estas duas aquisições interromperam aliás uma saga que era a descoberta de mais um livro de Somerset Maughan, autor a quem devo quase tudo o que tenha a ver com o gosto pela arte e pela escrita. Foi pela sua mão que conheci Paris, os Mares do Sul, Paul Gaughin, a Ásia ( esta a meias com Pearl S. Buck). 2. Bertrand Russel foi também um pensador de referência no meu crescimento. "Porque não sou Cristão", foi a janela para descobrir este filósofo de quem sorvia avidamente textos, comunicações, entrevistas. 3. Mas uma das frases mais enigmáticas, que como ondas, vão e vêm ao meu pensamento, é a que ouvi um dia a João Mota, na sala de trabalho do salão cor de rosa da Comuna, à Praça de Espanha: " Onde não existe amor não existe política". Ou o contrário. Esta frase chegou num contexto onde ele falava também da juventude. Para ele, os jovens eram a comprovação desta tese. Muitas e muitas vezes, e nem sempre de acordo com a ideia, ou melhor, algumas vezes estabelecendo um princípio de contraditório com ela, volto a esta frase. 4. O que me parece fascinante nesta ideia é a de que ela realiza dois principios fundamentais da política: o altruísmo e a imersão nesse estado de graça que é projectar, sonhar, levantar os olhos do chão. E volto a repetir-me, mais do que um tratado da política, o que precisamos é de tratar da política, e para isso, necessitamos de acreditar nela. E tratar dela, é não aceitar que ela é uma meretriz na mão de proxenetas e de campónios. Se engajados num partido, se independentes, se mais livres que o vento, isso não interessa. O importante é que em nenhum momento aceitemos a redução da existência da política àquilo que nos parece ser o resultado da sua perversão. 5. E assim, meus caros amigos, posso dizer, com a mesma crueza com que deixei no outro dia um comentário ao Luís, quando deixou em aberto a possibilidade de Freitas do Amaral ser o candidato da República, não, jamais, em tempo algum a esse discurso totalitário da morte da política .

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