segunda-feira, abril 19, 2004

25.4 de 74/ 25.4 04. Trinta anos de Quê? - VIII

R(e)volução. Disse, há qualquer coisa de estranho e bizarro nesta discussão sobre se o 25 de Abril foi ou não uma revolução. 1. Ao olhar os cartazes da Câmara Municipal de Lisboa com a comemoração dos trinta anos do 25 de Abril percebe-se o corpo do estranho, o bizarro. No canto inferior direito, um pequeno logotipo de Abril é Evolução. Na programação actores sociais, politicos e artisticos que defendem que o 25 de Abril foi uma revolução. 2. É produtivo analisar o que se passa socorrendo-nos de um dos axiomas fundamentais da pragmática da comunicação, tal como ela foi trabalhada por P. Watzlawick e G. Bateson, aquele que diz que num acto de comunicação a relação pontua os conteúdos. O que quer isto dizer, em traços grossos: que havendo um acontecimento, o 25 de Abril, e duas mensagens, uma, a da direita, dizendo que o 25 de Abril são 30 Anos de Evolução, a outra, a da Esquerda, que responde dizendo que o 25 de Abril foi uma Revolução, os dois conteúdos, não contraditórios, são desvalorizados em função daquilo que é realmente valorizado, e que é a relação entre Esquerda e Direita. Relação pontuada pela aparente necessidade da Esquerda e da Direita se contradizerem perpetua e eternamente. 3. Disse-o na entrada anterior, o que é decisivo nesta necessidade da Direita construir um discurso próprio sobre o 25 de Abril é o facto da Direita ser poder.Como nunca o foi desde o 25 de Abril, nem nos tempos mais duros da AD. Encurralada entre a sua novel condição de ser poder e a necessidade de assumir que os trinta anos de evolução que se seguiram à Revolução de Abril tornaram inquestionável a presença e a marca deste acontecimento na sociedade portuguesa, a Direita deu um salto para a frente. Fê-lo com inteligência política, encontrando a fórmula que lhe permite contemporizar o seu ódio ao 25 de Abril com a necessidade de com ele conviver. 4. É claro que de 25 de Abril de 74 a 25 de Abril de 2004 são trinta anos de evolução e esse é o maior elogio que se pode fazer à Revolução do 25 de Abril. Ao reconhecer que Portugal trilhou trinta anos de evolução a direita portuguesa presta finalmente a sua homenagem ao 25 de Abril. Faz as pazes com ele. Ou pelo menos, arranja uma fórmula que lhe permite não desviar os olhos quando se cruza com ele na rua. A partir de agora para a Direita, nas suas próprias palavras, trinta anos de evolução começaram com a revolução de Abril. Nem com a primavera marcelista. Nem com o 25 de Novembro. Com o 25 de Abril. 5. Sem dúvida de que há aqui um apoderar do 25 de Abril por parte da Direita. E se juntarmos isso a essa mescla de idiotia e de arrogância que promoveu um marketing político que atirou para cartazes, para anúncios, uma fórmula que só não fere a sensibilidade de todos nós porque é, no seu próprio enunciado, ridicula. Porque se a evolução é a partir de 25 de Abril de 74, é porque nesta data aconteceu algo que não é da ordem da evolução. Senão a contagem do tempo seria feita antes ou depois. Como alguns o fazem, mentalmente, quer na primavera marcelista quer no 25 de Novembro. 6. A forma como muitas vozes da Esquerda reagiram a esta alteração do padrão de comportamento da Direita em relação ao 25 de Abril foi também uma manifestação de propriedade. Como se dissessem, lá está a Direita a querer apoderar-se do 25 de Abril, do nosso 25 de Abril. E a não perceberem o positivo que é esta necessidade da Direita assumir uma história que não se engasga ao dobrar da noite de 24 para 25 de Abril de 1974. 7. O 25 de Abril foi uma Revolução, o 25 de Abril é Evolução, o 25 de Abril ainda é uma criança, o 25 de Abril é sempre que um homem quiser, tudo depende de quem a olha,onde a olha, com que tempo dentro de si a olha. Parece-me igualmente ridiculo que alguém queira fazer marketing político não percebendo que só tenta afirmar que Abril é Evolução, porque sabe que o 25 de Abril foi uma Revolução, como pensar que o 25 de Abril vai deixar de ser uma Revolução só porque a Direita, em calhando estar no poder no aniversário dos trinta anos deste movimento revolucionário, organizou assim o salão de festas, os discursos, as próprias festas. 8. Falarmos de um assunto estranho e bizarro como este é também correr o risco de não deixarmos aclarar o que dizemos. No mote que o Governo deu às comemorações dos trinta anos do 25 de Abril, há tanto que reconhecer a inteligência como assinalar a arrogância. O rídiculo. De tudo isto talvez sobreviva este desejo de fazer balanço e de nesse balanço olhar o futuro com um sentido positivo. Porque a fórmula Abril é Evolução , como contraponto a algo que nem é assumido, a negação da revolução, essa será tão efémera como este governo. 9. O que há a dizer e isso há que dizê-lo com total veemência, é que ao celebrarmos trinta anos da Revolução de Abril temos um Governo retirado do Portugal dos Pequeninos. O que há a dizer e isso há que dizê-lo com total veemência, é que hoje é tão previsível onde o pau bate, que há que voltar a olhar para o que aconteceu naquela madrugada há tanto esperada e perceber onde estão os vencidos e os vencedores de então e como é que o Estado, afinal aquilo que pretendemos resgatar, se comporta em relação a cada um deles. 10. Apenas isso.

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