terça-feira, abril 13, 2004

O Mundo, disse ele

No outro dia, um destes de Páscoa, acordei mais uma vez com o noticiário da TSF, mais uma vez com João Paulo Baltazar. Surge uma notícia sobre as mortes na estrada. A que se sucede uma outra sobre um encontro entre Bush e Ariel Sharon. Vale a pena ir buscar estas duas peças aos arquivos para se perceber como é que a edição, sem manipular, é um investimento narrativo pessoalíssimo e que a diferença entre uma rádio e um posto emissor se constrói por aí. Como é natural, não sou capaz de transcrever as duas notícias, mas espero conseguir recuperar aquilo que nelas me apareceu como vigoroso, como marca de escrita. Na notícia sobre os mortos na estrada, JPB, constrói-a como se de uma guerra se tratasse. Fala até, creio eu, "do aumento de violência" na noite anterior. E a certa altura, quando já deu a notícia, quando nos fez pensar o que é que desta vez esta incrível matança de Páscoa tem de diferente das outras que se sucedem como uma rotina, uma maldição, o seu tom de voz torna-se menos grave, agarra um registo quase trauteado, para ligar a uma outra guerra, a do Iraque, através de dois personagens do nosso terror, Bush e Sharon, embalando-os também nessa melopeia, levando-nos subliminarmente a uma associação com as histórias mil vezes repetidas. O que mais me pareceu espantoso é a capacidade de conjugar estes dois níveis, o explicito e o subliminar, na linguagem sem fios para criar estas duas notícias, uma a seguir à outra, dois minutos de rádio. Dois minutos de rádio!!! Dois minutos da rádio num outro mundo, o seu.

Sem comentários: