segunda-feira, maio 17, 2004

Não Esquecer

Ao ler este texto, para lá do comentário que deixei ficar no Tugir, resolvi prolongar a discussão sobre a ideia de que Leonor Beleza "esteve sujeita à mais lamentável das suspeições que ocorreram em 30 anos de Democracia". 1. Aquele que ficou conhecido como o caso dos hemofílicos ou o do plasma contaminado, é inseparável de um modo de agir e ser na política que caracterizou a política cavaquista, nomeadamente a teimosia, a não necessidade de prestar contas, o autismo, a crispação. Poder-se-á escrever tudo sobre este caso, até a peregrina ideia de que assistimos " à mais lamentável das suspeições que ocorreram em 30 anos de Democracia", só não se poderá dizer que Leonor Beleza - ou pela sua lavra o Ministério da Saúde, ou o Governo - se prontificou a esclarecer os portugueses, todos mas muito especialmente aqueles que viram as suas expectativas de vida desfeitas, lamentavelmente desfeitas, do onde, quando, quem, o quê, como e porquê. deste lamentável enredo. 2. E isto não se poderá dizer, escrever, nem sequer pensar porque Leonor Beleza, o Ministério da Saúde, o Governo nunca agiram no pressuposto de que esse esclarecimento era prioritário. Não avaliando a catástrofe que significa para a vida de todos nós - eu, tu, nós, vós eles - que à crónica desconfiança das pessoas sobre a capacidade do Estado se constituir como garante de uma melhor vida e saúde se alie à suspeição de que ele possa ser obreiro da pior doença e morte. 3. Um dos fundamentos da resistente e cívica acção judicial que as vitimas e os seus representantes levaram contra, entre outros, Leonor Beleza, é a de que esse era o único caminho para esclarecer o que se havia passado e responsabilizar o Estado perante aquelas que, como agora se usa dizer, foram as primeiras e principais vitimas de toda a história. 4. Também, graças a essa acção, hoje a política em Portugal é um lugar de maior responsabilidade. Ou pelo menos, de provavel menor impunidade. E não apenas por governantes como, entre outros, Jorge Coelho terem introduzido uma outra forma de entender a questão da responsabilidade política. Também porque acções cívicas como as empreendidas pelos familiares e pelas vitimas do plasma contaminado. 4. Um lugar de maior responsabilidade e de menor impunidade, mas ainda muito imperfeito, ajunte-se. A própria afirmação "à mais lamentável das suspeições que ocorreram em 30 anos de Democracia" só pode ser escrita porque não foi possível obter em julgamento o esclarecimento sobre qual o papel que o Estado e a Ministra tinham tido neste caso. E não o foi também por acção de Leonor Beleza e dos seus advogados, que, naturalmente, aproveitaram bem toda a lentidão processual da justiça portuguesa. Donde resulta que Leonor Beleza - e os seus representantes - é uma das principais responsáveis pela falta de apuramento dos factos e por uma das mais lamentáveis suspeições que ocorreram em 30 anos de democracia. 5. Porque é que Leonor Beleza o fez? Entendimento miserabilista da responsabilidade politica? Ou de um compreensível e notável desejo de salvar a pele? Não sei, o que para mim é inquestionável é que agiu mais na prossecução dos seus direitos cívicos do que na defesa da política como forma de trabalhar para o bem comum. 6. De uma coisa não haja alguma dúvida: "uma das mais lamentáveis suspeições que ocorreram em 30 anos de democracia" não tem como principal vitima Leonor Beleza. O - indescritivel- acordão do Tribunal que decretou a prescrição do caso, confirmando assim a eternização da suspeição, serviu os interesses da estratégia da defesa de Leonor Beleza e não os dos mortos e dos vivos violentamente agrafados a este caso em má hora arquivado.

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