sexta-feira, maio 14, 2004
Podem hoje as democracias...
A Natureza do Mal, através do Luís, já teve o ensejo de desmontar a argumentação façanhuda de Pacheco Pereira, que agora se apresenta como Vice-Presidente do Parlamento Europeu. O assunto, a forma como é abordada, é mais grave do que parece. Aproveito por isso para repisar algumas questões.
1. Lembro-me de bastante tempo antes da invasão do Afeganistão, ter lido de Adriano Moreira a afirmação de que " a Europa estava carecida de líderes que, como Churchill, se distinguissem por falar a verdade, custasse o que custasse". Hanna Arendt, reflectindo sobre a relação entre verdade e política escreveu: “...enquanto se pode ir até recusar a pergunta de se a vida inteira valeria a pena ser vivida num mundo privado de noções como a justiça e a liberdade, o mesmo, estranhamente, não é possível relativamente à ideia, na aparência muito menos política, de verdade. O que está em causa é a sobrevivência, a perseverança na existência, e nenhum mundo humano destinado a durar mais tempo que a breve vida dos mortais nele, poderá alguma vez sobreviver sem homens que queiram fazer o que Heródoto foi o primeiro a empreender conscientemente."
2. "É no plano político que a guerra está a ser perdida. Que as guerras se perdem politicamente é um truísmo que por si só não adianta nada à discussão." - é um dos argumentos-maravilha de Pacheco Pereira. Nem vale a pena contra argumentar, tal a sorte de iluminárias, como Hitler e Kaúlza de Arriaga, que Pacheco traz à colação. Até porque Pacheco Pereira lá tem a sua razão quando afirma que há um problema entre as democracias e as guerras. Há uns tempos muito largos, em "Nascemos Culpados", publicado na Zona NON, também eu me dava conta dessa incomodidade: " Sabemo-lo, é difícil perceber o dilema do nosso mundo com o advento de uma propaganda que desonra o espírito das democracias de que tanto nos ufanamos.../..Melhor seria que se, para poderem projectar sobre o futuro a vossa sobrevivência, têm mesmo de matar o Outro, melhor seria que o honrassem com a verdade sobre a sua própria morte. Explicando-lhe que o problema é aquele lugar onde a terra os prodigalizou com um maldito sangue negro que se tornou para a nossa civilização tão vital como o outro que agora, fazendo contas à nossa sobrevivência, lhes pretendemos roubar. .../... A mentira, mesmo fenecendo de longevidade e velhice, tem perna curta e há um dia, que nem perna tem."
3. Ou como diz o Luís, e vale a pena repetir esta ideia: "Se as democracias perdem as guerras é porque na ecologia comunicacional, além dos generais e dos analistas de serviço, subsiste, orgulho nosso, uma tradição de jornalismo independente. Se apesar do domínio asfixiante sobre as televisões e os jornais, os governos não conseguem levar a cabo políticas impopulares de forma prolongada, então ainda bem, talvez ainda consigamos derrotar os islamistas, os ditadores, os terroristas e quem sabe, um dia, no Parlamento da Europa ter gente nem boa nem má, mas que não mente para fazer guerras de agressão, homens não necessariamente certos nem errados com quem se pode falar, entendermo-nos ou não".
4. As democracias têm de facto inúmeros problemas, mas um deles não será certamente o de responsabilizarem aqueles que mentem à comunidade. "Eles mentem, eles perdem", por mais irritante que seja um pequeno grupúsculo politico a dizê-lo ao Sr. Vice-Presidente do Parlamento Europeu, é uma daquelas ideias que nos restituem uma certa confiança na política, no futuro.
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