domingo, julho 04, 2004
Adeus a Sofia
"Tive amigos que morriam, outros que partiam
Outros quebravam o seu rosto contra o tempo
Odiei o que era fácil
Procurei na luz, no ar, no vento."
Não confessarei que me abeirei da esplanada da Graça com um saco da IKEA na mão vazia. Quando se fala de Sofia até a alma é transparente, quanto mais aquilo que transportamos. Ou nos transporta. Por dizer Sofia: a ternura que há neste nome é sobretudo a meiga ideia que dela nos possui. Tive a sorte de que o primeiro olhar com que me defrontei quando cheguei ao Largo da Igreja ter sido o de Richard Zenith, que teve o privilégio de a traduzir e assim, de com ela privar. Depois, encostei-me ao balcão - lembrando-me de um poema de Manuel Bandeira chamado funeral - e vejo, ouço, respiro dois prestamosos, prestáveis e prestadores de últimos cuidados, bençãos, transportes para o Eterno, de fato a condizer e com crachat da empresa ao peito. Falavam de futebol enquanto se preparavam para transportar o corpo da poetisa. O corpo; porque guardaremos com desvelo e paixão essa cicuta com que nos envenenou a vida com uma névoa que, passados os primeiros momentos de cegueira, se nos entranha de uma espantosa e humana claridade.
Aquela claridade de que agora tanto carecemos.
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1 comentário:
Belo texto, caro JPN.
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