sexta-feira, agosto 20, 2004

Dez Anos de Profissão

Se já perto das onze na noite alguém me telefona para ir esplanadar, esse alguém só pode ser a Zé. A MZM, a Maria José Margarido. Geralmente o número não é identificável, porque o telefonema ainda é feito no jornal, mas eu sei que é ela. Daí aliás o meu sorriso. Um dos encantos da Graça é ser seu vizinho. Aliás, uma das graças da própria vida é esta eterna vizinhança com pessoas como a Zé. Ontem, a propósito daquele cansaço que por vezes se abate quando estamos há muito tempo no mesmo ofício e ela ontem vinha mesmo cansada - só quem não a conhece é que pode esperar que ela se aguente muito tempo a editar, sem poder vir lutar pela sua própria caixa - estivemos a contar pelos dedos os anos que ela tinha de profissão e vimos, eram os mesmos que ela tinha de Diário de Notícias. Mas não sou só eu que sou tão fiel, dizia. E não era. O Luís Garriapa na SIC, também, acrescentou. E o Pedro Dias Almeida, na Visão. O César Oliveira no Record. Dez anos de profissão, mas, por alma ou destino, menos afeiçoados a uma casa, fazem também, pelo menos, e estou-me a esquecer de tantos, a Filipa Melo, a Cláudia Almeida, o Carlos Cardoso, o Filipe Santos Costa, a Anabela Campos, o Nuno Madureira, a Ana Esteves, o Ricardo Nabais, a Catarina Carvalho, a Ana Santos, a Helena Coelho, a Paula Lobo, a Susana Neves. A Alexandra Lucas Coelho, o Mário Cardoso e o Daniel Cruzeiro já não são destas contas, já tinham os pés na profissão quando andámos todos nas antigas cavalariças do DRM, onde estava instalado o Departamento de Comunicação da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da UNL. Dois deles, que desapareceram em alturas diferentes, não chegaram aqui, aos dez anos, o Pedro Xavier, e a Margarida. Não chegaram, ficaram pela nossa memória ou no futuro que por vezes com eles escrevemos. Dez anos no mundo dos jornais, das revistas, da rádio, da televisão, do digital. Da política à economia, da cultura ao desporto, da sociedade ao entretenimento. Dez anos em que o mundo mudou a uma velocidade estonteante. Nestes dez anos o mundo muitas vezes mudou na razão inversa das caixas que eles escreviam. É da ciência dos livros, muitas vezes, tantas vezes, quase nunca dizemos o que é realmente importante, muitas vezes, tantas vezes, quase sempre o que dizemos apenas serve para esconder, para não deixar vir à luz o que é realmente importante. Seja nos casos pios do nosso magazine de actualidades, seja no caso mais escondido daquilo que gostamos de chamar Portugal profundo, e que muitos dão por país abismado. Na fonte oficiosa que nos cospe ao ouvido em faganhotos de luz esconsa, na pose oficial de quem nos mete num Falcon e a gente sem saber o que há-de fazer com a escuridão que se aproxima, ou na informalidade, deveria dizer talvez vulgaridade, de um vulgar julgador de homens vulgares. Não há nenhuma aula do Bragança de Miranda, do Mário de Mesquita, do Cádima ou do Jacinto Godinho que nos previna do abismo, e o abismo é também, como escreveu aqui há muito tempo o Luís, abismar-se, deixar-se cair no mais profundo do negrume de si mesmo. Acredito neles, embora tenha de confessar descreio de quase todo o jornalismo, também de muito do que eles fazem, acredito, e é aí a raíz de toda a minha esperança, acredito no jornalismo que sei, eles podem fazer.

1 comentário:

Susana Neves disse...

Olá! Dás por mim um grande abraço à Zé? Gostei muito do teu blog, bem escrito, interessante.
Sim, continuamos a escrever, apesar do desconforto de viver num país que não lê.
Em tantos anos de trabalho, já me aconteceu de tudo, até ser seleccionada para um cargo de chefe de redacção por ter um dia escrito, entre tantas coisas, a história do bidé.