quinta-feira, agosto 19, 2004
Largo da Trindade
Agora, a subir a rua, vinha o Pedro Cavalheiro, aquele que antes da invenção do sushi, comia peixe crú nos espectáculos dos Irmãos Catita no Cinearte. Vejo-o de cima, de um plano vertical, sinto-lhe o passo de algodão fresco. Vem calmo e sorridente, com roupa arcaica, como sempre nele tudo foi, especialmente aquele sorriso, alguns dizem, de criança. Há uns anos, muitos, no CITAC, andámos os dois na praça da Universidade, ele a vender desenhos por um beijo, por um devaneio, eu assim, de mãos nos bolsos, sempre gostei de acompanhar de perto a loucura. Não me faz mal nem me queima os dedos. Vem com uma moça, é assim que ele chama às catraias, moças, ela é muito normal, um pouco menos arcaica do que ele, não fosse aquela paz que a transporta dir-se-ía que não existe. Entram os dois na Livraria Barateira, cada um para seu lado, deixo de ver no escuro, mas depois, pelo movimento dos pés e das mãos vejo que se cruzam novamente. E eu olho para dentro de mim e vejo, com um leve amargor, que também era mentira aquilo que nos disseram, a loucura não traz, por si só, a tristeza e a solidão.
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