quinta-feira, agosto 19, 2004

Paisagem sem Título II

Eu pensava que a amizade era o que de mais puro, mais justo e verdadeiro havia na terra e no mundo, no nosso mundo. Mesmo quando ainda dizia amo-te, era na amizade que eu confiava para fazer seguir o movimento, fosse diurno ou nocturno. Mas não é. Descobri-o ontem contigo e daí o meu desconsolo. Por coincidência bem perto daquela estante onde há quatro, três meses eu filmei o Casablanca da minha vida e ela me trocou por Laslo. Estava na FNAC e apenas tu, dentro daquela regra de que a mentira é uma forma de eu te contar o mais verdadeiro, apenas tu sabes que não terá sido lá. Eu era teu leitor de todas as horas e minutos ou, passe o exagero, temos outros tempos, quase. O mais importante é que o mundo tinha duas horas, uma em que te lia e outra em que de mim te acordavas. Atrás de mim alguém diz o teu nome com admiração, terás assim leitores secretos espalhados por todo os recantos das livrarias. E então eu cometi o maior pecado, deixei que me olhasses. E não contente com isso, porque o corpo ainda estava quente e latejava e podia ainda ganhar assomos de valente e s0breviver, olhei-te. Eu pensava que a amizade era o que de mais puro, mais justo e verdadeiro havia na terra e no mundo, no nosso mundo. Mas não é. O que verdadeiramente arde o mundo é a praça aberta de dor e de extravasamento, de solidão, de incomodidade e tudo isso escapulindo-se pelo sonho, pelo desejo ausente, pela fantasia. Mesmo que esteja vazia e seja só eu e tu, eu quando te leio, tu quando me inventas. Daí o meu desconsolo. A minha dificuldade em respirar.

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