sábado, setembro 18, 2004

Adormecimento

post perfeitamente banalódescritivo. Vai-te embora, p.f. A mãe tinha-me avisado de que aquela máquina-de-me-fazer-feliz vinha com muito sono e por isso tentei não o cansar muito, o dia iria ser longo. Fui buscá-lo às quatro e meia e a primeira vez que o vi fiquei entrevado do sentir . Naquele pátio enorme, brincava sózinho, cabeça para baixo, sentei-me a seu lado, quando me olhou abraçou-me com tanta força como se se tivesse a afogar, ou então sou eu, serei, claro, era eu que me afogava, tinha o taxi à espera para voltar ao teatro, o dia ainda tinha mais umas horas de ofício, no teatro subimos as escadarias, levo-o a um camarim, no palco o encenador e um actor conversam sobre uma cena, levo-a até ás minhas vizinhas do guarda roupa, um teatro por dentro é isto, lembro-me da magia que era acompanhar o meu pai à FOC, em Mafra, tudo era enorme, este trabalho do pai é de todos não é?, pergunta, claro, trabalha aqui muita gente com o papá e o teatro é de todos, insiste ele, a sua noção de todos, é de todos não é, do papá, do pedro e da mamã, não, não é do pedro e da mamã, quer dizer, se vierem ver um espectáculo é, descemos, estou a contar que ele tenha receio do escuro, o cenógrafo e o desenhador de luz estão, entre black-outs a alinharem os últimos aspectos, não, não tem, está todo entretido a brincar com as cadeiras, sobe ao palco, vai inclusivé, ao colo do desenhador desligar umas luzes de cena, abre também na mesa de luz um efeito de estrelas na noite de Paris. Ao voltarmos para casa enche o 28 com o seu riso, com as suas trinta reposições do êxito "a barata diz que tem", daqui a nada estreamos o Fungágá da Bicharada, quero ver com ele, sei que vou passar uma vergonha, ao intervalo já deve estar a cantar metade das canções e a repreender-me por estar sempre fora do tom, da melodia, não interessa, quero ver o Fungágá com ele, jantamos ao pé da esplanada da graça, no caminho, ía ele montado em cima dos meus ombros, a fazer-me carinhos, festas, o papá gosta muito de festinhas, não gosta, inclina a cabeça para baixo, meio alquebrado, claro que gosto, Pedro, e tu nisso também vais sair a mim, estou farto de gente não me toques que me causam ferniqoques, olha Pedro, vou encarregar-te de uma missão muito arriscada, senão fosses o Peter Pan nem te pedia, está bem, sim pai, o que é, vais arranjar uma namorada para o pai, está bem, uma namorada para o pai dar beijinhos?hummm, pergunta ele respondendo prontamente: Já sei, a mãe, a mãe, pai. A mãe não, Pedro, a mãe já foi, o Pai já não quer dar beijinhos na mãe nem a mãe no pai, isso acabou, tem de ser uma namorada a sério, ele, choroso, a mãe é a sério, pai, eu sei Pedro, mas tu entendes, não te lembras quando eu e a mãe deixámos de dar beijinhos na boca, lembras-te, tu até disseste que não fazia mal, tu davas beijos desses, repenicados, à mamã, percebeste, pendurado nos meus ombros o Peter Pan percebeu que ou fazia alguma coisa pela vida ou enquanto o diabo esfrega o olho perdia o privilégio das cavalitas e desceria para o chão, aquela mulher ali pai, aquela mulher ali é uma namorada boa, mas não vejo mulher nenhuma, ali, pai, com um chapéus na cabeça, com um saco na mão, confirmo, sim, essa, não é uma essa, é um esse Pedro, tem camisola sem mangas e um ar de tanoeiro ou estivador, é uma mulher, é?, então olha, acelero o passo, ultrapasso o homem, éaou! éaou!, pai, esta senhora não dá, pois não, Pedro, essa senhora não dá, cruzamo-nos com uma rapariga apressada, pai, esta dá, não, Pedro, esta está cheia de pressa e eu não me dou bem com raparigas cheias de pressa, vamos fazer uma coisa, jantamos e depois na esplanada arranjas uma namorada para o pai. Não temos pressa. Se não for hoje é amanhã. Ou depois. Esquecemo-nos de tudo isso no entretanto de umas costelas de cabrito e de uma sopa de feijão verde, e de um gelado do rei leão, quando chegamos a casa preparamo-nos para dormir, ainda vemos enlaçados o pequeno urso polar, depois levo-o para a cama, deito-me com ele, no escuro do quarto ele pressente as minhas tentativas dissidentes, fico ali num estado de adormecimento, uma hora e meia duas horas, é já tarde que me levanto, sem sono, cá venho eu outra vez.

3 comentários:

Carla de Elsinore disse...

Bom, vinha discutir contigo mas depois li este post lindo , maravilhoso. e depois lembrei-me de que foi assim que ti li pela primeira vez, um outro post lindo maravilhoso, com os mesmos protagonistas, com um tema diferente. já não tenho vontade de discutir contigo por causa dos olhares que se cruzam do luis.

JPN disse...

Risos.

Anónimo disse...

Não me fui embora. Só ganhei com isso. De banalódescritivo só tem de ternurento, como delicioso é o Amor mais puro assim descrito de forma tão banal.
Cada vez gosto mais de visitar este blog.
Obrigada
Yurei