terça-feira, setembro 21, 2004
Tombar na primavera
e agora sim, o regicidio
Tudo começa porque falamos daquele temor que te faz estremecer: uma doença que venha com o principio da primavera e que não te deixe trabalhar ali entre Março e Abril. Ao querer saber um pouco mais do teu calendário revelas-me o mais odioso crime:
- Ali ao começo de Janeiro a minha tarefa é cuidar das rainhas.
E quando começas a contar-e esse teu cuidar das rainhas dou de caras com um continuado regicidio. Dizes, não podes ter rainhas com mais de dois anos. Marcas assim as rainhas com uma cor, e as cores correspondem a anos, e depois vais organizar cuidadosamente o enxame e quando verificas que há uma com mais de dois anos, kaput, tem de morrer. Não deixa de ser carinhosa a forma como as matas. Isolas-a, dás-lhe um piparote, assim, com a luva, como se jogasses ao berlinde, e pões-lhe uma rede por cima. Aquela rainha deixou de reinar. Não há exéquias, funebres, apenas um olhar venerando, de veneração com que tu baixas momentaneeamente a cabeça. Tens de coroar uma nova. Que marcas. Uma bolinha de tinta. Da cor apropriada. E cortas-lhe um pouco das asas para ela não fugir com o enxame. É isto que tu fazes de Janeiro a Março. Em cada colmeia. Conheces as tuas rainhas. Elas não sabem que vão morrer mas os seres falam a linguagem das espécies. Se soubessem, caminhariam na mesma. Até à altura da cresta é tempo de visitar todas as colmeias. Há que garantir em todas elas que não se vão constituir novos enxames. Sendo só um, concentras-te na Primavera. Muitos enxames em momentos descontinuados, não te interessam. Não é bem uma fábrica, um trabalho em série, mas as coisas arrumam-se. Tendem para a arrumação. E eu ainda estou assim, a olhar para a tua cara suave com que dizes:
- De Janeiro a Fevereiro ando ali a matar as rainhas.
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