domingo, outubro 10, 2004

Ainda a nossa vida humilde

Pelo meio das pilhérias do homem do fundo da sala entra uma mulher. Cabelo louro, bem apessoada, relativamente nova, a minha idade, talvez menos. Fica a trinta centímetros do balcão, olha a patroa. Não diz nada. Não é preciso. A matrona pega numa garrafa de vinho e serve um copo. A mulher tira um euro, paga, recebe o troco. Fuma um cigarro. O tempo que demora a esvaziar o copo de vinho é o tempo breve que eu tenho para observá-la e eu, vampiro, queria mais. Num leve movimento de cara percebo que ela tem a face ligeiramente pigmentada de rosáseas. Pode ser do frio, pode não ser. Mas nada, nem os gestos, nem aquele leve tremor nas mãos, a denuncia. O homem das graçolas bem a tenta fazer rir (e por isso eu digo, estes tipos pelo bem que fazem mereciam uma subvenção, um apoio, para só fazerem isto, qualquer coisa que desse para estarem ali a desfiar mentirolas, historietas, façanhas). A mulher pousa o copo no balcão, ajeita-se e sai. Ainda pára à porta, não nos olha, no silêncio que se pousa todos nós estamos com ela, solidários com a noite da sua vida humilde de anjo negro, louro e negro.

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