domingo, outubro 10, 2004
A nossa vida humilde
Escrevi uma vez que esta presença na blogosfera se redime enquanto expressão e exaltação de uma vida humilde. O que não quer dizer sempre, da vida dos humildes. É-o muitas vezes, mas nem sempre. Ontem, vinha de Vale dos Barris, tive de entrar num café ali em Sete Rios. Eram humildes que ali estavam. Duas mulheres, dois homens. Não contei comigo. Uma das mulheres era estilo matrona, nova, entre os quarenta e cinquenta, mas matrona. A outra, um pouco mais nova, ria-se, envergonhada, das graças de um homem que a um canto do balcão enchia a sala. Mas ria-se contente. A falta de dentes à frente impedia-a de sorrir com mais à vontade mas percebia-se claramente que ela era o primeiro público daquele homem que desfiava histórias sobre a sua professora de inglês. Isto enquanto brincava com algumas palavras num english propositadamente mal amanhado. Duas coisas me agarraram logo. O olhar bonito daquela rapariga. Se eu fosse rico deixar-lhe-ía ali um cheque-dentista, de modo a poder recuperar aquele sorriso da usura e do gasto. Seria uma dupla boa acção, para a rapariga e para nós, que poderíamos passar a ser banhados sem restrições por aquele raro e belo sorrir. Depois, o modo como aquele tipo, por quem não daria grande coisa, tinha, ao longo da sua stand-up comedy , atraído a atenção e a devoção daquela mulher que ia deixando soltar alguns sorrisos mesmo caindo no risco de nos mostrar a sua boca cariada. Há um ecossistema da vida humilde e ali revelava-se simultaneamente na sua alarvidade e bondade. É por isso que às vezes vamos ficando por lugares tão insuportáveis ou que nos parecem a nós tão insuportáveis. Meu deus, como é possível trabalhar ali, um dia inteiro, a aturar bebâdos e gajos malcriados, e a resposta é afinal tão simples: porque nos lugares, em quem os povoa há alguém, do qual não se suspeitava nunca esse desvelo, que entre pilhérias nos faz sorrir.
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1 comentário:
Este texto é uma beleza. Você escreve muito bem. Já por aqui tenho andado e gosto dessa sensibilidade.
Alguém
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