segunda-feira, outubro 25, 2004

Intensidade dramática

gosto de escrever estas palavras, mais nada. nunca pensaria na escrita como algo mais a sério. mas houve uma vez que estive tentada a experimentar. um tipo que vinha muito aqui ao bar e a quem contei aquela história do dinossauro excelentíssimo pediu-me textos. queria lê-los. ele andava a tentar comer-me. eu não me importei.achei até graça. acho sempre graça quando sinto a gula a crescer nos olhos de um tipo que veio aqui beber um copo. faz parte. gostar de uma mulher atrás de um balcão é um pouco como ter uma paixoneta pela professora primária. mostrei-lhe duas ou três aguarelas escritas em papel mata-borrão. ele queria mesmo sacar-me. que eram geniais, que eu tinha força, que eu devia fazer e acontecer. um chorrilho. foi ele que me encontrou uma daquelas aulas para fazer escritores. inscreveu-me. lá fui, desesperançada mas teimosa, sempre. logo na primeira aula pediram-me que criasse uma personagem. apanhada desprevenida, escrevi a minha vida, tal e qual. tudo. na semana seguinte o professor voltou com os nossos textos revistos. na barafunda de riscos a verde e vermelho, de sinais de um código de revisão que eu desconhecia, estava lá, escrito a claras garatujas: o personagem não tem intensidade dramática. levantei-me e saí. a precisão da sentença salvou-me do tédio e da modorra nos quatro meses seguintes. não aprendi a escrever mas comecei a viver absolutamente. a coisa foi de tal forma que ao invés das suas intenções, o tipo é que acabou por ser comido por mim. entretanto a minha fome era muito mais do que sexo, carne. era de sal. de azimute tardio. a próxima vez que vir um curso daquele professor vou-me inscrever. sento-me na cadeira do fundo e quando ele me pedir um personagem volto a escrever toda a minha vida.

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