sexta-feira, outubro 01, 2004
É preciso ter medo.
Costumo almoçar num local habitado por muitos jornalistas de dois jornais de economia que moram aqui perto. Hoje um insurgia-se contra o outro:
- É claro que já não há censura politica mas ela existe de outra forma.
O outro contra argumentava, pretendia naturalizar os constrangimentos que de certa forma assolam a actividade jornalistica. Não pretendo dar nenhum palpite sobre isto. Como diz um amigo meu, consultem-se os lucros das agências de comunicação, os capitais sociais dos jornais, as agendas profissionais dos jornalistas para se perceber que o importante não é saber se existe ou não censura, mas como a enfrentaremos melhor. E nesse aspecto acho sempre deliciosa esta história - julgo que já aqui narrada - que me contaram de uma visita de Daniel Sampaio a um bairro social onde havia graves problemas de toxicodependência e que me serviu muitas vezes de exemplo quando trabalhava na animação sócio cultural. Numa escola, ao visitar uma sala de aula, Daniel Sampaio virou-se para o miudame e perguntou:
-Quem de vós tem medo de poder vir a ser um toxicodependente?
Do fundo da sala respondeu um magarefe, levantando o braço. Chacota geral. A canalhada, que não é de todo inocente, embora ainda e sempre mereça o mundo que juntos construímos, levantou-se em chistes:
- A mãe dele é prostituta.
- O pai e o irmão são drogados.
Daniel Sampaio ouviu tudo isto calmamente e - continuo a confiar no contador da história - perguntou:
- E quem de entre vós está mais bem preparado para não vir a ser um toxicodependente? Ele, que tem medo ou vocês, com as vossas fanfarronices? - Calaram-se rapidamente. Tinham percebido que o centro da história tinha passado daquela algarviada com que tentavam não ver, não pensar, para aquele corajoso gesto do miúdo enfiado no fundo da sala.
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2 comentários:
só o medo de ter medo nos pode fazer desistir dos sonhos e nos cega ao perigo...
não sei se é um bom post ou uma boa história, mas arrisco que seja ambos.
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