domingo, outubro 24, 2004
Sombras
há um homem que me segue todas as noites. segue-me em silêncio. encosta-se às portas, vai pelas sombras da noite. se eu me virasse ele não se esconderia. sei quem ele é. todas as noites está lá, a pedir-me um wiskie com duas pedras de gelo. uma vez perguntei-lhe se podia ser só uma, que se me tinha acabado a couvet. obrigou-me a encetar outra. deixei cair mais uma, por descuido. não disse nada. é daquelas pessoas que seria incapaz de dizer algo menos agradável. encostou apenas a mão no copo e empurrou-a na minha direcção. tive de andar à pesca da porcaria do cubo com a merda de uma colher. ele fica para último. com o seu Balantines na mão, as pedras a chocalharem. nunca me olhou. é pena, tem uns olhos distintos, delicados. não gosto especialmente de homens mas se gostasse especialmente de homens haveria de os querer assim. de olhos distintos, delicados. quando eu saio pressinto-o logo pelo cheiro. usa calvin klein, linha de verão. mesmo no inverno. logo ali se vê que é uma pessoa diferente de todas as outras. segue-me. em silêncio. se fosse outro teria medo. olharia para trás com os olhos lívidos. a tresandar a medo. eu destilo medo quando estou apavorada. dele não tenho qualquer receio. fizesse ele o que fizesse nunca teria medo. eu levo muito a peito este meu afecto pelos olhos distintos e delicados. segue-me. segue-me em silêncio. tenho por vezes a sensação de que andando para a frente é na sua direcção que caminho.
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1 comentário:
O nosso alter ego está sempre presente.
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